O Canal da Mancha e França (Parte II) – Velejando da Irlanda até o Mediterrâneo

Preso em Falmouth por uma semana mais pareciam férias. Pude assistir uma banda no pub da marina onde todas a mulheres estavam vestidas de pinup, saía pra correr toda manhã e passava o resto do dia boiando no barco de pernas pro ar enquanto procurava novos tripulantes online e me preparava para a travessia do Canal da Mancha. Também tive tempo para uma visita obrigatória ao lendário Chain Locker Pub pra uma Guinness.

Bem descansado, eu estava na melhor forma mental e física da minha vida. Não clique se não quiser me ver sem camisa. Trabalho constante no barco e uma âncora pesada sem guincho ajudaram bastante a me manter em forma.

Eu estava pronto para a travessia e também havia encontrado novos tripulantes!

Próxima Parada: Aber Wrac’h (França – Bretagne)

Mikhail (Russia) and Padraig (Irlanda), dois camaradas do Clube de Paraquedismo Irlandês (IPC) onde eu costumava saltar, responderam ao chamado e voaram de Dublin até Falmouth especialmente para a travessia de 100mn do Canal da Mancha até Aber Wrac’h na França. Essas lendas:

Depois de outra parada obrigatória para comer os famosos Pastéis da Cornualha (Cornish Pasties) e Donuts (atual obsessão irlandesa) zarpamos mar afora.

A travessia foi longa, cansativa e gelada. Partimos por volta das 4 da tarde de Falmouth pra chegar só no dia seguinte perto de meio dia na França. As primeiras 5 horas foram excelentes. Velejando a favor do vento em asa de pombo (uma vela pra cada lado) e seguidos pelo maior grupo de golfinhos da viagem. O astral estava alto! Mas daí o mar começa a entrar na cabeça (e estômago) e um dos tripulantes mareou. As próximas 3 horas devem ter sido bem desconfortáveis pra um deles (darei anonimidade em não dizer qual deles haha). Vomitando e bastante mareado, a ideia de velejar de volta não era lá uma boa opção porque o vento estava de popa. Ainda por cima, ele parecia bem confiante afirmando que estava bem e conseguiria aguentar. Lembrem-se, esses caras saltam de paraquedas no frio irlandês (e russo) praticamente todo fim de semana. Eles sabem segurar as pontas quando o bicho pega. Deitou-se e dormiu pelas próximas horas enquanto eu o outro tripulante revezávamos no timão a base de café num frio do cão. Era 1 da madrugada quando ele se levantou das profundezas da mareada como se nada tivesse acontecido! Tomou conta do turno da noite e nos deu um tempo para descansar um pouco e nos abrigar do frio.

O Canal da Mancha é a area de navegação mais movimentada do mundo. Uma das minhas maiores preocupações era o TSS (Traffic Separation Scheme – Esquema de Separação de Tráfego), que funciona meio que como a via de trânsito em que você deve atravessar num ângulo de 90 graus e velocidade constante. Como se estivesse atravessando uma rua. Já que meu barco era equipado com um AIS transponder (Sistema de Identificação Automático), eu estava bem mais confiante e seguro sabendo que eu podia ver os navios e eles também conseguiam me ver no plotter de navegação. Nenhuma chamada de radio foi necessária e os navios no máximo fizeram leves ajustes em suas rotas para evitar o risco de colisão com o meu barco.

Dá uma olhada no mapa ao vivo do canal:

Você também consegue ver a posição do Neverland ao vivo aqui!

Terra a vista!

O sol apareceu e a terra também! Terminamos a travessia, passamos um radio pra marina e nos deram uma vaga. Banho rápido e uma parada no Café du Port pra um croissant e um cafe au lait (o irlandês até arranhou um francês pra fazer os pedidos). O russo achou uma camisa vermelha de comunista numa arara de roupas aleatória e comprou de lembrança. Foi bem engraçado assistir aos dois reclamando: “Por que tudo está se movendo?”. Algumas pessoas se sentem assim quando pisam em terra firme após muitas horas no mar, mas logo passa.

Depois do café corrido, iniciamos a missão de achar um táxi bastante caro até Brest, onde eles iriam pegar um trem pra Rennes e voar de volta pra Dublin. Mais uma vez salvos pelo irlandês arranhando um francês. Oui!

Já em Brest, achamos um restaurante Marroquino perto da estação de trem. Era o único lugar aberto que ainda servia comida (mais detalhes sobre os horários de funcionamento na França e Espanha depois). De volta pra estação, grande abraço e au revoir. De volta pra Marina.

O irlandês fez um vídeo bem bacana da travessia, incluindo os golfinhos!

Obrigado mais uma vez aos dois! Ainda os devo uma semana de água cristalina do Mediterrâneo. Próxima temporada!

Pequena pausa pra falar sobre skydiving e porque mudou a minha vida…

Skydiving mudou minha vida… de verdade. Depois que você salta de um avião a 10 mil pés com seu próprio paraquedas e pousa, a vida não é mais a mesma. É como assistir Matrix pela primeira vez (neeerd!). É como encarar a morte e não sentir medo (sendo honesto, é aterrorizante quando a porta abre). Mas aí a queda livre bate e junto a sensação de super poderes. Você está literalmente caindo do céu com uma mochila nas costas!

Mas não é só ir lá e saltar. Antes de tudo você passa por um curso onde você aprende e entende tudo que pode acontecer de errado (quase tudo) e como lidar com aquilo, senão você morre. Sem pressão.

Ultrasimplificando, você tem um equipamento bem checado, salta no lugar certo na hora certa e na condição climática adequada. Você entra em queda livre tendo controle do seu corpo e consciente da altitude o tempo inteiro. Na altitude certa você abre o paraquedas principal (após uns 50 segundos de queda livre). Cedo demais e você coloca em risco outras pessoas caindo em queda livre na sua cabeça, tarde demais e você desperdiça preciosos segundos para resolver algum problema com o seu equipamento antes de se espatifar no chão. Assim que você dá inicio a abertura do seu paraquedas principal, não se deve levar mais de 5 segundos para saber se o mesmo está devidamente inflado e em condições de pousar. 95% das vezes ou mais, ele abre perfeitamente e você pousa com segurança. Os outros 5% ou menos você ou ainda está caindo em alta velocidade ou em baixa velocidade. Se for baixa velocidade, analise e resolva rapidamente ou então desconecte e abra o reserva. Se for alta velocidade, disconecte e abra o reserva. Fácil 🙂

Você deve estar se perguntando “e se o reserva falhar?”. Bom, as chances são de terminar em pane de alta ou baixa velocidade, mas dessa vez você tem que resolver. Não tem terceiro paraquedas.

Extremamente simplificado, mas existem várias precauções de segurança envolvidas principalmente em relação ao reserva, o qual a principal função é salvar a sua vida. Ainda por cima existe um dispositivo automático que abre o reserva caso você “esqueça”. Pesquise sobre 🙂 Faça um salto duplo! É quase a mesma sensação.

O que o paraquedismo me ensinou?

  • Confie no seu equipamento. Qualidade, manutenção em dia e verifique regularmente.
  • Conhecimento é tudo! Aprenda sobre absolutamente tudo que puder.
  • Se dê margem. Porque problemas irão acontecer e no final do dia o que você realmente quer é poder tomar boas decisões, senão você morre. Sem pressão.
  • Cabeça fria e faça o que você tem que fazer!

Fácil de se perceber as semelhanças entre velejar e até outros aspectos da vida.

Agora de volta a França…

Próxima Parada: Île d’Ouessant / Ilha de Ouessant (França – Bretagne)

Deixei a marina depois de um dia ou dois e velejei sozinho até a ilha de Ouessant. Me aproximando da ilha fui interceptado pela guarda costeira que chegou bem perto do meu barco. Tive que puxar minha linha de pesca às pressas. Acho que queriam confirmar a bandeira e o nome do barco. Me mostraram um placa sugerindo um canal VHF para contato e me fizeram umas perguntas básicas do tipo de onde estava vindo, para onde estava indo, quantas pessoas a bordo e nacionalidade. Foi uma entrevista rápida e me deixaram seguir em frente. Sem necessidade de subir a bordo nem nada.

Em seguida terminei de velejar até a baía de Lampaul, peguei uma poita livre (que era gratuita por sinal) e passei uns dias aproveitando a ilha. Era bastante cansativo fazer tudo por conta própria. A rotina do dinghy, cozinhar, fazer compras, carregar as bolsas e sem esquecer de turistar. Não que eu esteja reclamando, super vale a pena. Até mandei um cartão postal pra casa!

No caminho de saída passei bem perto do farol La Jumant. Possivelmente o mais famoso do mundo graças a foto abaixo:

Tirada em 21 de Dezembro de 1989 por Jean Guichard de um helicóptero durante uma tempestade. O faroleiro Théodore Malgorn pensou que o helicóptero fosse seu resgate na hora e foi para a porta do farol. Quando viu aquela onda enorme batendo ele entrou de volta correndo.

Desde 1991 La Jument foi automatizada e ninguém vive dentro mais.

Próxima Parada: Brest (França – Bretagne)

Ainda sozinho velejei até Brest. Próximo a entrada do canal o alarme do meu AIS não parava de apitar. Era uma flotilha da marinha Holandesa que não mudou seu curso por nada e eu é que tive que sair da frente. Já dentro da baía achei uma ancoragem calma em Roscanvel onde joguei a âncora e fechei o dia. Fato curioso, dá pra ouvir do barco uns burros em terra relinchando. Bem aleatório.

Fui a Brest no dia seguinte para dar devida entrada na Zona Schengen e também a liberação da alfândega. A Douane fica quase em frente a marina. Outra Guinness no Tara Inn Irish Pub e um tripulante novo: Marti (Espanha).

Brest Telepherique

Marti fez uma das maiores contribuições da viagem quando estávamos nas Ilhas Glenan. Ele manjava um pouco de pesca mas, melhor ainda, tinha um amigo que sabia bastante. Mandamos uma foto dos equipamentos que tínhamos no barco na hora e ele respondeu: “Usa isso e qualquer um desses nessa velocidade” (basicamente arrastar um paravane + um spinner or isca pequena a uns 4 nós). BATATA! Pescamos 5 naquele dia. 3 Cavalinhas e 2 peixes Agulha. 50 dias no mar e eu finalmente tinha aprendido a pescar! Que felicidade. Foi definitivamente um dos momentos altos da viagem.

Como eu pesco…

Eu usei o esquema abaixo e pesquei geralmente Cavalinha (da França até Gibraltar) e depois Bonitos (mini atum) dentro do Mediterrâneo até a Itália. O paravane geralmente tem umas posições de ajuste do angulo de ataque. Perto da ponta ele fica mais leve e afunda menos. Mais pro meio e ele fica bem pesado e afunda por inteiro ficando até perto do barco. Se o seu paravane estiver saindo da água ao invés de afundar, sua isca está pesada demais ou tem peixe no anzol! Outra dica: nesses sabikis as vezes batem 3 peixes ou mais de uma vez só.

Tirei essa foto numa loja de pesca na Espanha. Mostra ainda mais detalhes (clique para aumentar):

Sobre o peixe…

Cavalinha é um peixe muito bom. Fazia frito na manteiga com um limão por cima. Depois aprendi a fazer ceviche e nunca mais quis outra coisa.
Peixe agulha é meio ruim. Devolve pro mar.
Bonitos são tão bons quanto o mackerel e eu fazia sushi com shoyu e arroz a maior parte do tempo. Peixe mais fresco que isso, impossível.

Dei um upgrade no equipamento em 2020 e comprei esse molinete e uma vara Back Bone Elite com rolamentos. Se quiser se aprofundar mais em pesca, esse livro é essencial a bordo.

Saímos de Brest e tentamos velejar até a Île de Sein mas a maré não estava favorável para ancorar então mudanmos a rota para Audierne e ancoramos do lado de fora em Sainte-Evette. Dinghy fora do baú, remada até a praia e uma caminhada até a cidade. Bem bonita a cidadezinha com vários cafés, bares e restaurantes. Apenas um problema, você tem que se acostumar com as horas de trabalho Francesas que fecham ao meio dia ou antes e só reabrem as 3 ou 4 da tarde. Surreal pra quem é turista. É bastante comum não achar lojas abertas para fazer compras ou comer algo no meio do dia. Com o tempo vocè aprende a viver mais devagar e se programa para fazer as coisas de acordo com os horários locais mas confesso que foi bastante frustrante no inicio.

Audierne

Nossa proxima parada eram as Ilhas Glénan, um arquipélago paradisíaco bem complicado de se velejar devido as pedras e profundidade. Um verdadeiro campo minado na carta náutica. Ainda estávamos em Maio (Primavera) e estava meio deserto de gente. O clima estava nublado e chuvoso infelizmente. Ainda assim conseguimos tomar uma cerveja no La Boucane. Na manhã seguinte zarpamos, mas não antes da visita do bote de cobrança pela poita norte da île Saint-Nicolas – 25€. Por pouco não escapamos mais cedo sem pagar… #quemnunca

Próxima Parada: Belle-Île-en-Mer (França – Bretagne)

O sol finalmente começou a dar as caras dando um ar de verão. Estávamos super felizes com a temperatura mais quente até que esquentou demais nos dias seguintes… não dá pra ganhar! Nossa próxima parada foi Le Palais. Um lugar bem legal que super vale a visita, exceto pelo chuveiro pago de 6 minutos cravados e ainda por cima com fila. A ilha estava bem movimentada no dia, provavelmente por causa da Semaine du Golfe du Morbihan que estava rolando perto de lá. Tivemos sorte de conseguir uma poita a qual tivemos que dividir logo em seguida com outro barco. Andamos pela ilha, fizemos compras, comemos Moule Frites (Mexilhões com batatas fritas) no restaurante L’Odyssée (super recomendado) e compramos 2 caranguejos aranha por cinco euros porque a dona da quitanda estava pra fechar. Vida melhor não podia existir!

Próxima Parada: Pornic e Nantes (França – Bretagne)

Partimos pra Pornic num dos dias mais quentes de toda viagem. Meu termometro marcava 27°C dentro do barco! Improvisamos uma cobertura do lado de fora com umas toalhas e evitamos o sol a todo custo.

Chegamos na marina de Pornic com segurança, amarramos o barco, tomamos uma ducha de verdade em dias saimos em uma missão de achar um bar pra assistir a final da Champions League entre Liverpool e Tottenham. Foi depois de uns 8 bares que finalmente achamos um lugar onde estava passando o jogo. Pegamos uma mesa e Garçon, bière s’il vous plait! 2×0 pro Liverpool.

No dia seguinte fomos até Nantes onde pude encontrar uns amigos franceses que nos levaram parar beber em uns eventos pela cidade: o BPM (Barbecue Park Music) festival e o Goûtez Electronique. Logo em seguida era hora do Marty partir pra casa. Grande abraço de bêbado e obrigado por tudo! Velejadas memoráveis pela França. Cheers!

Levei meus amigos pra velejar até Noirmoutier onde passamos a tarde ancorados e eles me ensinaram a beber Ricard misturado com água. Que bebida forte! Mais um dia memorável. Obrigado galera!

Noirmoutier

No dia seguinte uma tripulante nova se juntou a viagem, Kate (Inglaterra) a amante de ceviche. Nunca vi ninguem tão animada sobre qualquer coisa pequena que acontece. Como dizemos na Irlanda: Great craic! Começamos a viagem com uma velejada rápida de volta a Noirmoutier onde a gente ancorou inicialmente num lugar com muita ondulação mas logo mudamos para uma outra ancoragem um pouco mais protegida. Fiz uma conta rápida da maré e profundidade no lugar mais protegido possível com 2 metros de prufundidade na maré baixa (a quilha do meu barco vai até 1.45m). Ainda assim existiam umas ondulações chatas balançando o barco… Agora presta atenção nessa história e como as decisões de outros barcos podem influenciar as suas!

Uma hora depois, um barco maior que o meu (quanto maior o barco, mais funda a quilha, certo?) passou por mim e ancorou beeem lá dentro da baia perto da praia onde estava absolutamente calmo, e certamente onde eu adoraria estar ancorado, se não fosse pela profundidade extremamente rasa. “O que é que eles estão fazendo? É raso demais pra passar a noite ali. Eles não só vão encalhar como vão virar o barco de lado!”

As horas passaram, estava anoitecendo e eles permaneceram lá. Eu estava extremamente encucado. Já havia tomado umas taças de vinho a essa altura e mesmo assim, fiz a conta novamente umas 4 vezes, revisando com a Kate, e tive sempre o mesmo resultado: 2 metros de profundidade na maré baixa onde estou. Duas coisas não saiam da minha cabeça: “Primeira: um de nós está errado! Segunda: Adoraria sair dessas ondas e ir mais pra dentro da praia pra dormir melhor.” Minha conta não podia estar errada e mesmo se estivesse eu certamente não iria encalhar. Aquele barco consumiu minha cabeça. Eu disse “Kate, vamos ancorar um pouco mais pra dentro da praia…” Subimos a âncora, andamos um pouco a frente, li a profundidade, conta rápida, parece OK, descemos a âncora e deixamos o barco alinhar com o vento. Fiz a conta de novo e número agora era 1.5m na maré baixa. Sim, 5cm de diferença da minha quilha. E o outro barco ainda lá no mesmo lugar perto da areia.

Meu cérebro: “O que é que você está fazendo Arthur? Mas etá mais calmo aqui… 5cm é suficiente, não é? Mas eles estão bem mais pra perto da areia… Eles são velejadores daqui da área. Eles sabem o que estão fazendo. A tabela da maré deve estar errada… Está tudo bem… Se eu estiver certo não vai dar nada.”

Naquela noite minha quilha encostou no fundo umas duas vezes pelo menos. Levemente, mas suficiente pra me acordar. Nada sério mas… minha conta estava certa… MAS É ÓBVIO QUE ESTAVA! É uma das contas mais simples no mar. E eu tomei uma decisão questionável porque outro barco também tomou. Ao menos parecia que sim. Eu estava com raiva de mim. Ainda assim ‘feliz’ de alguma forma por não ter ido ancorar do lado deles ignorando completamente os cálculos.

Na manhã seguinte a maré já estava alta de novo e o outro barco no mesmo lugar flutuando… Como, certamente perguntei. Mas eu só podia especular: mini quilhas duplas sentado no fundo? Talvez eles tenham saído a noite e voltado agora de manhã. Talvez tenha uma vala funda onde eles estão. Talvez eles tenham encalhado, virado de lado um pouco e depois voltado ao normal sem problemas! Eu não fazia idéia sobre eles. Mas eu sabia sobre mim…

Próximo Porto: Île d’Yeu (França – Pays de la Loire)

Enquanto estávamos em Noirmoutier, percebemos que a tempestade Miguel estava em nossa direção então decidimos correr pra Île d’Yeu e nos abrigar em Port-Joinville. Foi uma ótima decisão e aproveitamos bastante a ilha a base de vinho e frutos do mar. Mas a Biscaia é bem conhecida pelo mar revolto e tempestades violentas e a tempestade Miguel foi certamente uma delas levando 3 vidas de um barco de resgate.

Esperamos o mar acalmar nos dias seguintes, alugamos bicicletas e rodamos a ilha toda. Vimos até uma Alpaca (ou Llama) e visitamos um Castelo onde uma gaivota não gostou nem um pouco de mim e tenho certeza que queria me matar. De verdade.

Próxima Parada: Les Sables-d’Olonne (França – Pays de la Loire)

Partimos depois para Les Sable d’Olonne. Um lugar bastante famoso no mundo da vela e o ponto de largada (e também chegada) da corrida de volta ao mundo de iates Vendée Globe. Cidadezinha linda de se visitar e comer fora.

Passeamos por lá, tomamos umas e fizemos uma parada obrigatória na padaria local pra reabastecer de baguete.

Não lembro quando as fotos com baguete começaram…

Próxima Parada: La Rochelle (França – Nouvelle-Aquitaine)

Saímos para La Rochelle pela rota de dentro, entre o continente e a ilha de Ré, passando por debaixo da ponte. O vento e as ondas aumentaram rapidamente junto com uma nuvem cinza enorme vinda do noroeste. Conseguimos diminuir as velas ao máximo e ainda assim fizemos 7 nós só com a vela principal e fomos literalmente surfando as ondas com vento em popa.

Chegamos com segurança no Port des Minimes, a maior marina da França e uma das maiores da europa com vagas para quase 5 mil barcos! Eu nunca tinha visto tanto barco na minha vida. Dá uma olhada no mapa da marina com imagem de satélite, é surreal!

Passamos a noite no pontoon de visitantes porque o vento estava meio forte e difícil de manobrar o barco dentro da marina. Fomos acordados na manhã seguinte por um laser de regata preso no meu barco depois de uma orça mal calculada. Tive que sair pela minha escotilha, subir na retranca e cortar minha própria linha das bandeiras pra livrar a dupla. Os velejadores franceses perderam um pouco do meu respeito aquele dia mas rapidamente ganharam de volta quando eu vi o icônico veleiro de casco vermelho nomeado Joshua (barco do Bernard Moitessier) atracado perto de onde eu estava.

La Rochelle foi uma boa pausa do velejo. Pude dormir numa cama normal, pude aproveitar a culinária francesa e até fui surfar na ilha de Ré. Muitíssimo obrigado Agathe!

Também foi a vez da Kate abandonar o barco de volta pra Londres me deixando sozinho no comando até Port Médoc. Tchau Kate! Nos vemos de novo em breve =)

Saindo para Port Médoc pelo Pertuis de Maumusson me encontrei numa situação perigosa. Olhando pra trás eu diria que foi um erro meu. A maré estava próximo do mais baixo possível quando eu deixei a ancoragem e a carta náutica informava sobre bancos de areia móveis e arrebentação de ondas. O tempo parecia bastante favorável mas eu não podia saber sobre as condições do mar em si visto que eu estava protegido dentro do canal. Eu pude ver uma espuma sendo formada de longe mas parecia bem pouco. Quando me dei conta eu já estava na espuma e as ondas eram maiores do que eu esperava (quase 1 metro talvez) e quebrando em 2 metros ou menos de profundidade! Não dava pra saber exatamente porque as ondas eram frequentes e próximas e meu sensor de profundidade não conseguia uma leitura consistente. Se eu tivesse encalhado ali, aquelas ondas podiam facilmente ter virado meu barco e enchido de água. Se pudesse voltar atrás eu certamente esperaria pela maré alta. Fiz besteira mas deu certo e velejei sem demais problemas até Port Médoc e ancorei em frente a marina. Mais uma pro meu pote da sorte.

Próxima Parada: Irlanda! O quê?

Pois então, como parte do meu acordo com a minha empresa eu tive que voltar para a Irlanda a trabalho e fazer uns acertos finais antes da auditoria da nossa ISO27001. Enquanto eu me praparava pra deixar o barco na marina, encontrei um tripulante de ultima hora. Mr Luis Vega de Porto Rico, o corôa mais jovem que já vi na vida. Que lenda! Nos entendemos bem e confiei em deixá-lo no barco até eu voltar uma semana depois.

Trem pra Bordeaux, vôo pra Dublin e direto pro pub pra uma Guinness. #prioridades

Se você estiver se perguntando onde eu acho tripulantes: Facebook, Instagram (veja no pé da página) e crewbay.com o qual eu super recomendo entre os demais sites com o mesmo propósito. É 100% grátis! Se você tem um barco e precisa de tripulantes ou se você é tripulante e quer velejar em qualquer lugar do mundo, cadastre-se e ache o seu match! Mas por favor LEIA OS ANÚNCIOS POR COMPLETO. Eles sempre descrevem as datas e locais os quais esperam tripulantes e os custos envolvidos. Espero que achei um match que atenda a sua flexibilidade, mas geralmente é VOCÊ que se adapta a agenda do barco e não o contrário. No meu anúncio por exemplo eu procurava por tripulantes afim de se juntar numa viagem dos sonhos me ajudando a operar o barco e dividir as despesas. Meu único pre requisito era: precisa ser uma pessoa de boas com a vida e com boa comunicação. Eu estava evitando mais um tripulante-que-não-deve-ser-nomeado a todo custo (pula de volta pro primeiro post da série se perdeu essa parte). Durante a viagem vieram a bordo todo tipo de gente de 19 a 65 anos! Me dei bem com todos eles e ficaria super feliz em tê-los de volta a bordo. A experiência foi tão boa que sinto saudade dessa galera como amigos de verdade.

Agora de volta a França Londres!

Terminei meus afazeres de trabalho na Irlanda e fui visitar a Kate na barca dela nos canais de Londres. Ela até deixou eu pilotar a barca 😀

Foi ótimo ser tripulante ao invés de capitão por um momento. Zero trabalho e zero preocupação. Ótimo dia que terminou rápido. Hora de dizer tchau mais uma vez. Mas ela volta…

Voei de volta a Neverland e encontrei o Mr Vega implorando pra velejar embora daquele lugar haha. Port Médoc é um vilarejo bemmm pequeno. Antes de ir para a Irlanda demos uma volta por lá e parecia uma cidade fantasma. As casas e jardins eram bem cuidados e tudo mais, mas nenhuma alma viva na rua! Tinha um barzinho local com uns coroas apostando num jogo de dados que conseguimos tomar uma verveja e comer um pacote de salgadinhos. Sem chance de conseguir um prato de comida naquele lugar.

Posso imaginar o quanto entediado ele estava naquele lugar. Sorte a dele é que o vinho de Médoc é bastante famoso na Rota dos Vinhos Bordeaux

Próxima Parada: Arcachon (França – Nouvelle-Aquitaine)

Saímos cedo debaixo de uma neblina forte pra uma passagem de 15h. O até sol deu as caras depois e pudemos ver a praia. Uma extensão de 200km de areia conhecida como Côte d’Argent (Costa de Prata) que vai de Médoc até o sul de Biarritz. É a maior extensão de areia da Europa e parece uma praia sem fim. Velejamos em sentido sul com uma boa distância de segurança da praia.

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Foi nesse dia a melhor pescaria da viagem. Tivemos até que parar de pescar e jogar umas cavalinhas de volta por não ter como guardar na geladeira.

Mr Vega era um chefe de primeira classe por sinal. Melhor receita de marinado cheia de especiarias, pimentão, cebola e limão. Isso com arroz e um vinhozinho e eu era um capitão feliz da vida.

Chegamos na entrada do canal de Arcachon mas numa hora nao tão favorável. Estava um pouco tarde entre as marés e fomos chamados no rádio e aconselhados sobre as condições da entrada do canal (eles podiam nos ver chegando pelo AIS). Nos deram novas posições das bóias de marcação do canal visto que essas tinham mudado recentemente e as cartas náuticas não estavam atualizadas. Também aconselharam que a hora não era amigável mas visto que o mar estava bem calmo e o calado do meu barco era somente 1.45m eles pareciam favoráveis a nos deixar entrar. “Deve ser tranquilo” disseram. Mas ainda assim, o conselho era esperar a próxima maré alta durante o dia (as bóias não possuiam luz a noite). Isso significaria esperar umas 20 horas madrugando parado no lugar em frente a entrada sem nenhum lugar pra ancorar. Decidi ir devagar e voltaria imediatamente se não paracesse favorável. Não iria cometer o mesmo erro de novo! Passamos são e salvos com umas pequenas ondulações me direções variáveis e mais de 4m de profundidade debaixo da quilha. Maravilha.

Já em Arcachon, passamos alguns dias entre as ancoragens, renovamos o estoque de baguette e vinho, turistamos e partimos para Bayonne.

Fato curioso: a bandeira de Arcachon é Preta/Branca/Amarela e parece a bandeira francesa desbotada.

Próxima Parada: Bayonne (França – Nouvelle-Aquitaine)

Mais uma longa passagem com o mesmo visual da praia infinita mas agora sem nenhuma neblina. Vimos alguns golfinhos e talvez tenha pescado algum peixe, não lembro, mas foi só. 15 horas no mar e chegamos a entrada de Bayonne.

A correnteza na entrada era bastante forte esvaziando. Eu estava fazendo menos de 3 nós acelerando forte o motor rio acima. Suficiente pra nos trazer em segurança para a marina de Brise-Lames em frente a um porto barulhento e cheio de poeira voando enquanto carregavam uns navios.

No dia seguinte, num sol de rachar, pegamos um onibus até Biarritz onde a praia estava lotada. Ótimo pra uma cerveja gelada!

De volta ao barco e uma tripulante nova, Katy (Austria). A primeira pessoa que conheci que mudou ‘drásticamente’ os hábitos contra as mudanças climáticas. Evitou vir de avião e veio de trem, parando e visitando amigos pelo caminho.

Recebemos também umas meninas que fizemos amizade num Bar em Biarritz e velejamos até Saint-Jean-de-Luz onde ancoramos na Plage du Fort de Socoa. Ótimo dia boiando com boa comida, cerveja gelada, vinho, sessão de ukulele e amizades. A última parada da França não podia ser melhor.

No próximo dia, atravessamos uma linha invisível para a Espanha! Poucas horinhas de passagem que nem pareceram estar chegando em outro país.

Próxima Padara: San Sebastian (Espanha – País Basco)

Ultima história rápida antes que esse post fique ainda mais logo… Enquanto ancorados em Donostia-San Sebastian na Bahia de La Concha fomos chamados de surpresa no rádio pela guarda costeira da Espanha que perguntou em inglês:

“Neverland, quais são suas intenções?”

Pra quê? Meu subconsciente de pirata gritou:

“Quinhentos anos e muitas luas atrás os seus ancestrais junto aos Portugueses colocaram os pés em minha terra natal América do Sul, escravizaram e catequizaram nossos índios e saquearam nossas riquezas. Eu estou aqui pra tomar de volta o que é nosso! Estoy aquí por LA VENGANZA!! Arrrrrrr…”

Óbvio que eu não disse isso. Só estávamos ancorados por um dia e partiriamos para o próximo porto no dia seguinte. Ainda assim eu fico imaginando o que poderia ter acontecido se eu tivesse falado tal coisa e eles tivéssem levado a sério… Bom… Nunca saberemos!

E é isso, mais uma parte dessa incrível viagem. Um parte cheia de surpresas e constante adaptação. Achar tripulantes pelo caminho se provou possível e extremamente gratificante.

Em seguida? Se apaixonando pelo jeito tranquilo de se viver Espanhol, pinchos (beliscos), caña (cerveja) e vibe de cruseiro no verão.

Uma resposta para “O Canal da Mancha e França (Parte II) – Velejando da Irlanda até o Mediterrâneo”

  1. Cara muito boa sua viagem. Muito inspiradora, pretendo um dia no futuro morar também na Irlanda em um barco e você acho que é o único brasileiro que fez essa façanha.

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