O Canal da Mancha e França (Parte II) – Velejando da Irlanda até o Mediterrâneo

Preso em Falmouth por uma semana mais pareciam férias. Pude assistir uma banda no pub da marina onde todas a mulheres estavam vestidas de pinup, saía pra correr toda manhã e passava o resto do dia boiando no barco de pernas pro ar enquanto procurava novos tripulantes online e me preparava para a travessia do Canal da Mancha. Também tive tempo para uma visita obrigatória ao lendário Chain Locker Pub pra uma Guinness.

Bem descansado, eu estava na melhor forma mental e física da minha vida. Não clique se não quiser me ver sem camisa. Trabalho constante no barco e uma âncora pesada sem guincho ajudaram bastante a me manter em forma.

Eu estava pronto para a travessia e também havia encontrado novos tripulantes!

Próxima Parada: Aber Wrac’h (França – Bretagne)

Mikhail (Russia) and Padraig (Irlanda), dois camaradas do Clube de Paraquedismo Irlandês (IPC) onde eu costumava saltar, responderam ao chamado e voaram de Dublin até Falmouth especialmente para a travessia de 100mn do Canal da Mancha até Aber Wrac’h na França. Essas lendas:

Depois de outra parada obrigatória para comer os famosos Pastéis da Cornualha (Cornish Pasties) e Donuts (atual obsessão irlandesa) zarpamos mar afora.

A travessia foi longa, cansativa e gelada. Partimos por volta das 4 da tarde de Falmouth pra chegar só no dia seguinte perto de meio dia na França. As primeiras 5 horas foram excelentes. Velejando a favor do vento em asa de pombo (uma vela pra cada lado) e seguidos pelo maior grupo de golfinhos da viagem. O astral estava alto! Mas daí o mar começa a entrar na cabeça (e estômago) e um dos tripulantes mareou. As próximas 3 horas devem ter sido bem desconfortáveis pra um deles (darei anonimidade em não dizer qual deles haha). Vomitando e bastante mareado, a ideia de velejar de volta não era lá uma boa opção porque o vento estava de popa. Ainda por cima, ele parecia bem confiante afirmando que estava bem e conseguiria aguentar. Lembrem-se, esses caras saltam de paraquedas no frio irlandês (e russo) praticamente todo fim de semana. Eles sabem segurar as pontas quando o bicho pega. Deitou-se e dormiu pelas próximas horas enquanto eu o outro tripulante revezávamos no timão a base de café num frio do cão. Era 1 da madrugada quando ele se levantou das profundezas da mareada como se nada tivesse acontecido! Tomou conta do turno da noite e nos deu um tempo para descansar um pouco e nos abrigar do frio.

O Canal da Mancha é a area de navegação mais movimentada do mundo. Uma das minhas maiores preocupações era o TSS (Traffic Separation Scheme – Esquema de Separação de Tráfego), que funciona meio que como a via de trânsito em que você deve atravessar num ângulo de 90 graus e velocidade constante. Como se estivesse atravessando uma rua. Já que meu barco era equipado com um AIS transponder (Sistema de Identificação Automático), eu estava bem mais confiante e seguro sabendo que eu podia ver os navios e eles também conseguiam me ver no plotter de navegação. Nenhuma chamada de radio foi necessária e os navios no máximo fizeram leves ajustes em suas rotas para evitar o risco de colisão com o meu barco.

Dá uma olhada no mapa ao vivo do canal:

Você também consegue ver a posição do Neverland ao vivo aqui!

Terra a vista!

O sol apareceu e a terra também! Terminamos a travessia, passamos um radio pra marina e nos deram uma vaga. Banho rápido e uma parada no Café du Port pra um croissant e um cafe au lait (o irlandês até arranhou um francês pra fazer os pedidos). O russo achou uma camisa vermelha de comunista numa arara de roupas aleatória e comprou de lembrança. Foi bem engraçado assistir aos dois reclamando: “Por que tudo está se movendo?”. Algumas pessoas se sentem assim quando pisam em terra firme após muitas horas no mar, mas logo passa.

Depois do café corrido, iniciamos a missão de achar um táxi bastante caro até Brest, onde eles iriam pegar um trem pra Rennes e voar de volta pra Dublin. Mais uma vez salvos pelo irlandês arranhando um francês. Oui!

Já em Brest, achamos um restaurante Marroquino perto da estação de trem. Era o único lugar aberto que ainda servia comida (mais detalhes sobre os horários de funcionamento na França e Espanha depois). De volta pra estação, grande abraço e au revoir. De volta pra Marina.

O irlandês fez um vídeo bem bacana da travessia, incluindo os golfinhos!

Obrigado mais uma vez aos dois! Ainda os devo uma semana de água cristalina do Mediterrâneo. Próxima temporada!

Pequena pausa pra falar sobre skydiving e porque mudou a minha vida…

Skydiving mudou minha vida… de verdade. Depois que você salta de um avião a 10 mil pés com seu próprio paraquedas e pousa, a vida não é mais a mesma. É como assistir Matrix pela primeira vez (neeerd!). É como encarar a morte e não sentir medo (sendo honesto, é aterrorizante quando a porta abre). Mas aí a queda livre bate e junto a sensação de super poderes. Você está literalmente caindo do céu com uma mochila nas costas!

Mas não é só ir lá e saltar. Antes de tudo você passa por um curso onde você aprende e entende tudo que pode acontecer de errado (quase tudo) e como lidar com aquilo, senão você morre. Sem pressão.

Ultrasimplificando, você tem um equipamento bem checado, salta no lugar certo na hora certa e na condição climática adequada. Você entra em queda livre tendo controle do seu corpo e consciente da altitude o tempo inteiro. Na altitude certa você abre o paraquedas principal (após uns 50 segundos de queda livre). Cedo demais e você coloca em risco outras pessoas caindo em queda livre na sua cabeça, tarde demais e você desperdiça preciosos segundos para resolver algum problema com o seu equipamento antes de se espatifar no chão. Assim que você dá inicio a abertura do seu paraquedas principal, não se deve levar mais de 5 segundos para saber se o mesmo está devidamente inflado e em condições de pousar. 95% das vezes ou mais, ele abre perfeitamente e você pousa com segurança. Os outros 5% ou menos você ou ainda está caindo em alta velocidade ou em baixa velocidade. Se for baixa velocidade, analise e resolva rapidamente ou então desconecte e abra o reserva. Se for alta velocidade, disconecte e abra o reserva. Fácil 🙂

Você deve estar se perguntando “e se o reserva falhar?”. Bom, as chances são de terminar em pane de alta ou baixa velocidade, mas dessa vez você tem que resolver. Não tem terceiro paraquedas.

Extremamente simplificado, mas existem várias precauções de segurança envolvidas principalmente em relação ao reserva, o qual a principal função é salvar a sua vida. Ainda por cima existe um dispositivo automático que abre o reserva caso você “esqueça”. Pesquise sobre 🙂 Faça um salto duplo! É quase a mesma sensação.

O que o paraquedismo me ensinou?

  • Confie no seu equipamento. Qualidade, manutenção em dia e verifique regularmente.
  • Conhecimento é tudo! Aprenda sobre absolutamente tudo que puder.
  • Se dê margem. Porque problemas irão acontecer e no final do dia o que você realmente quer é poder tomar boas decisões, senão você morre. Sem pressão.
  • Cabeça fria e faça o que você tem que fazer!

Fácil de se perceber as semelhanças entre velejar e até outros aspectos da vida.

Agora de volta a França…

Próxima Parada: Île d’Ouessant / Ilha de Ouessant (França – Bretagne)

Deixei a marina depois de um dia ou dois e velejei sozinho até a ilha de Ouessant. Me aproximando da ilha fui interceptado pela guarda costeira que chegou bem perto do meu barco. Tive que puxar minha linha de pesca às pressas. Acho que queriam confirmar a bandeira e o nome do barco. Me mostraram um placa sugerindo um canal VHF para contato e me fizeram umas perguntas básicas do tipo de onde estava vindo, para onde estava indo, quantas pessoas a bordo e nacionalidade. Foi uma entrevista rápida e me deixaram seguir em frente. Sem necessidade de subir a bordo nem nada.

Em seguida terminei de velejar até a baía de Lampaul, peguei uma poita livre (que era gratuita por sinal) e passei uns dias aproveitando a ilha. Era bastante cansativo fazer tudo por conta própria. A rotina do dinghy, cozinhar, fazer compras, carregar as bolsas e sem esquecer de turistar. Não que eu esteja reclamando, super vale a pena. Até mandei um cartão postal pra casa!

No caminho de saída passei bem perto do farol La Jumant. Possivelmente o mais famoso do mundo graças a foto abaixo:

Tirada em 21 de Dezembro de 1989 por Jean Guichard de um helicóptero durante uma tempestade. O faroleiro Théodore Malgorn pensou que o helicóptero fosse seu resgate na hora e foi para a porta do farol. Quando viu aquela onda enorme batendo ele entrou de volta correndo.

Desde 1991 La Jument foi automatizada e ninguém vive dentro mais.

Próxima Parada: Brest (França – Bretagne)

Ainda sozinho velejei até Brest. Próximo a entrada do canal o alarme do meu AIS não parava de apitar. Era uma flotilha da marinha Holandesa que não mudou seu curso por nada e eu é que tive que sair da frente. Já dentro da baía achei uma ancoragem calma em Roscanvel onde joguei a âncora e fechei o dia. Fato curioso, dá pra ouvir do barco uns burros em terra relinchando. Bem aleatório.

Fui a Brest no dia seguinte para dar devida entrada na Zona Schengen e também a liberação da alfândega. A Douane fica quase em frente a marina. Outra Guinness no Tara Inn Irish Pub e um tripulante novo: Marti (Espanha).

Brest Telepherique

Marti fez uma das maiores contribuições da viagem quando estávamos nas Ilhas Glenan. Ele manjava um pouco de pesca mas, melhor ainda, tinha um amigo que sabia bastante. Mandamos uma foto dos equipamentos que tínhamos no barco na hora e ele respondeu: “Usa isso e qualquer um desses nessa velocidade” (basicamente arrastar um paravane + um spinner or isca pequena a uns 4 nós). BATATA! Pescamos 5 naquele dia. 3 Cavalinhas e 2 peixes Agulha. 50 dias no mar e eu finalmente tinha aprendido a pescar! Que felicidade. Foi definitivamente um dos momentos altos da viagem.

Como eu pesco…

Eu usei o esquema abaixo e pesquei geralmente Cavalinha (da França até Gibraltar) e depois Bonitos (mini atum) dentro do Mediterrâneo até a Itália. O paravane geralmente tem umas posições de ajuste do angulo de ataque. Perto da ponta ele fica mais leve e afunda menos. Mais pro meio e ele fica bem pesado e afunda por inteiro ficando até perto do barco. Se o seu paravane estiver saindo da água ao invés de afundar, sua isca está pesada demais ou tem peixe no anzol! Outra dica: nesses sabikis as vezes batem 3 peixes ou mais de uma vez só.

Tirei essa foto numa loja de pesca na Espanha. Mostra ainda mais detalhes (clique para aumentar):

Sobre o peixe…

Cavalinha é um peixe muito bom. Fazia frito na manteiga com um limão por cima. Depois aprendi a fazer ceviche e nunca mais quis outra coisa.
Peixe agulha é meio ruim. Devolve pro mar.
Bonitos são tão bons quanto o mackerel e eu fazia sushi com shoyu e arroz a maior parte do tempo. Peixe mais fresco que isso, impossível.

Dei um upgrade no equipamento em 2020 e comprei esse molinete e uma vara Back Bone Elite com rolamentos. Se quiser se aprofundar mais em pesca, esse livro é essencial a bordo.

Saímos de Brest e tentamos velejar até a Île de Sein mas a maré não estava favorável para ancorar então mudanmos a rota para Audierne e ancoramos do lado de fora em Sainte-Evette. Dinghy fora do baú, remada até a praia e uma caminhada até a cidade. Bem bonita a cidadezinha com vários cafés, bares e restaurantes. Apenas um problema, você tem que se acostumar com as horas de trabalho Francesas que fecham ao meio dia ou antes e só reabrem as 3 ou 4 da tarde. Surreal pra quem é turista. É bastante comum não achar lojas abertas para fazer compras ou comer algo no meio do dia. Com o tempo vocè aprende a viver mais devagar e se programa para fazer as coisas de acordo com os horários locais mas confesso que foi bastante frustrante no inicio.

Audierne

Nossa proxima parada eram as Ilhas Glénan, um arquipélago paradisíaco bem complicado de se velejar devido as pedras e profundidade. Um verdadeiro campo minado na carta náutica. Ainda estávamos em Maio (Primavera) e estava meio deserto de gente. O clima estava nublado e chuvoso infelizmente. Ainda assim conseguimos tomar uma cerveja no La Boucane. Na manhã seguinte zarpamos, mas não antes da visita do bote de cobrança pela poita norte da île Saint-Nicolas – 25€. Por pouco não escapamos mais cedo sem pagar… #quemnunca

Próxima Parada: Belle-Île-en-Mer (França – Bretagne)

O sol finalmente começou a dar as caras dando um ar de verão. Estávamos super felizes com a temperatura mais quente até que esquentou demais nos dias seguintes… não dá pra ganhar! Nossa próxima parada foi Le Palais. Um lugar bem legal que super vale a visita, exceto pelo chuveiro pago de 6 minutos cravados e ainda por cima com fila. A ilha estava bem movimentada no dia, provavelmente por causa da Semaine du Golfe du Morbihan que estava rolando perto de lá. Tivemos sorte de conseguir uma poita a qual tivemos que dividir logo em seguida com outro barco. Andamos pela ilha, fizemos compras, comemos Moule Frites (Mexilhões com batatas fritas) no restaurante L’Odyssée (super recomendado) e compramos 2 caranguejos aranha por cinco euros porque a dona da quitanda estava pra fechar. Vida melhor não podia existir!

Próxima Parada: Pornic e Nantes (França – Bretagne)

Partimos pra Pornic num dos dias mais quentes de toda viagem. Meu termometro marcava 27°C dentro do barco! Improvisamos uma cobertura do lado de fora com umas toalhas e evitamos o sol a todo custo.

Chegamos na marina de Pornic com segurança, amarramos o barco, tomamos uma ducha de verdade em dias saimos em uma missão de achar um bar pra assistir a final da Champions League entre Liverpool e Tottenham. Foi depois de uns 8 bares que finalmente achamos um lugar onde estava passando o jogo. Pegamos uma mesa e Garçon, bière s’il vous plait! 2×0 pro Liverpool.

No dia seguinte fomos até Nantes onde pude encontrar uns amigos franceses que nos levaram parar beber em uns eventos pela cidade: o BPM (Barbecue Park Music) festival e o Goûtez Electronique. Logo em seguida era hora do Marty partir pra casa. Grande abraço de bêbado e obrigado por tudo! Velejadas memoráveis pela França. Cheers!

Levei meus amigos pra velejar até Noirmoutier onde passamos a tarde ancorados e eles me ensinaram a beber Ricard misturado com água. Que bebida forte! Mais um dia memorável. Obrigado galera!

Noirmoutier

No dia seguinte uma tripulante nova se juntou a viagem, Kate (Inglaterra) a amante de ceviche. Nunca vi ninguem tão animada sobre qualquer coisa pequena que acontece. Como dizemos na Irlanda: Great craic! Começamos a viagem com uma velejada rápida de volta a Noirmoutier onde a gente ancorou inicialmente num lugar com muita ondulação mas logo mudamos para uma outra ancoragem um pouco mais protegida. Fiz uma conta rápida da maré e profundidade no lugar mais protegido possível com 2 metros de prufundidade na maré baixa (a quilha do meu barco vai até 1.45m). Ainda assim existiam umas ondulações chatas balançando o barco… Agora presta atenção nessa história e como as decisões de outros barcos podem influenciar as suas!

Uma hora depois, um barco maior que o meu (quanto maior o barco, mais funda a quilha, certo?) passou por mim e ancorou beeem lá dentro da baia perto da praia onde estava absolutamente calmo, e certamente onde eu adoraria estar ancorado, se não fosse pela profundidade extremamente rasa. “O que é que eles estão fazendo? É raso demais pra passar a noite ali. Eles não só vão encalhar como vão virar o barco de lado!”

As horas passaram, estava anoitecendo e eles permaneceram lá. Eu estava extremamente encucado. Já havia tomado umas taças de vinho a essa altura e mesmo assim, fiz a conta novamente umas 4 vezes, revisando com a Kate, e tive sempre o mesmo resultado: 2 metros de profundidade na maré baixa onde estou. Duas coisas não saiam da minha cabeça: “Primeira: um de nós está errado! Segunda: Adoraria sair dessas ondas e ir mais pra dentro da praia pra dormir melhor.” Minha conta não podia estar errada e mesmo se estivesse eu certamente não iria encalhar. Aquele barco consumiu minha cabeça. Eu disse “Kate, vamos ancorar um pouco mais pra dentro da praia…” Subimos a âncora, andamos um pouco a frente, li a profundidade, conta rápida, parece OK, descemos a âncora e deixamos o barco alinhar com o vento. Fiz a conta de novo e número agora era 1.5m na maré baixa. Sim, 5cm de diferença da minha quilha. E o outro barco ainda lá no mesmo lugar perto da areia.

Meu cérebro: “O que é que você está fazendo Arthur? Mas etá mais calmo aqui… 5cm é suficiente, não é? Mas eles estão bem mais pra perto da areia… Eles são velejadores daqui da área. Eles sabem o que estão fazendo. A tabela da maré deve estar errada… Está tudo bem… Se eu estiver certo não vai dar nada.”

Naquela noite minha quilha encostou no fundo umas duas vezes pelo menos. Levemente, mas suficiente pra me acordar. Nada sério mas… minha conta estava certa… MAS É ÓBVIO QUE ESTAVA! É uma das contas mais simples no mar. E eu tomei uma decisão questionável porque outro barco também tomou. Ao menos parecia que sim. Eu estava com raiva de mim. Ainda assim ‘feliz’ de alguma forma por não ter ido ancorar do lado deles ignorando completamente os cálculos.

Na manhã seguinte a maré já estava alta de novo e o outro barco no mesmo lugar flutuando… Como, certamente perguntei. Mas eu só podia especular: mini quilhas duplas sentado no fundo? Talvez eles tenham saído a noite e voltado agora de manhã. Talvez tenha uma vala funda onde eles estão. Talvez eles tenham encalhado, virado de lado um pouco e depois voltado ao normal sem problemas! Eu não fazia idéia sobre eles. Mas eu sabia sobre mim…

Próximo Porto: Île d’Yeu (França – Pays de la Loire)

Enquanto estávamos em Noirmoutier, percebemos que a tempestade Miguel estava em nossa direção então decidimos correr pra Île d’Yeu e nos abrigar em Port-Joinville. Foi uma ótima decisão e aproveitamos bastante a ilha a base de vinho e frutos do mar. Mas a Biscaia é bem conhecida pelo mar revolto e tempestades violentas e a tempestade Miguel foi certamente uma delas levando 3 vidas de um barco de resgate.

Esperamos o mar acalmar nos dias seguintes, alugamos bicicletas e rodamos a ilha toda. Vimos até uma Alpaca (ou Llama) e visitamos um Castelo onde uma gaivota não gostou nem um pouco de mim e tenho certeza que queria me matar. De verdade.

Próxima Parada: Les Sables-d’Olonne (França – Pays de la Loire)

Partimos depois para Les Sable d’Olonne. Um lugar bastante famoso no mundo da vela e o ponto de largada (e também chegada) da corrida de volta ao mundo de iates Vendée Globe. Cidadezinha linda de se visitar e comer fora.

Passeamos por lá, tomamos umas e fizemos uma parada obrigatória na padaria local pra reabastecer de baguete.

Não lembro quando as fotos com baguete começaram…

Próxima Parada: La Rochelle (França – Nouvelle-Aquitaine)

Saímos para La Rochelle pela rota de dentro, entre o continente e a ilha de Ré, passando por debaixo da ponte. O vento e as ondas aumentaram rapidamente junto com uma nuvem cinza enorme vinda do noroeste. Conseguimos diminuir as velas ao máximo e ainda assim fizemos 7 nós só com a vela principal e fomos literalmente surfando as ondas com vento em popa.

Chegamos com segurança no Port des Minimes, a maior marina da França e uma das maiores da europa com vagas para quase 5 mil barcos! Eu nunca tinha visto tanto barco na minha vida. Dá uma olhada no mapa da marina com imagem de satélite, é surreal!

Passamos a noite no pontoon de visitantes porque o vento estava meio forte e difícil de manobrar o barco dentro da marina. Fomos acordados na manhã seguinte por um laser de regata preso no meu barco depois de uma orça mal calculada. Tive que sair pela minha escotilha, subir na retranca e cortar minha própria linha das bandeiras pra livrar a dupla. Os velejadores franceses perderam um pouco do meu respeito aquele dia mas rapidamente ganharam de volta quando eu vi o icônico veleiro de casco vermelho nomeado Joshua (barco do Bernard Moitessier) atracado perto de onde eu estava.

La Rochelle foi uma boa pausa do velejo. Pude dormir numa cama normal, pude aproveitar a culinária francesa e até fui surfar na ilha de Ré. Muitíssimo obrigado Agathe!

Também foi a vez da Kate abandonar o barco de volta pra Londres me deixando sozinho no comando até Port Médoc. Tchau Kate! Nos vemos de novo em breve =)

Saindo para Port Médoc pelo Pertuis de Maumusson me encontrei numa situação perigosa. Olhando pra trás eu diria que foi um erro meu. A maré estava próximo do mais baixo possível quando eu deixei a ancoragem e a carta náutica informava sobre bancos de areia móveis e arrebentação de ondas. O tempo parecia bastante favorável mas eu não podia saber sobre as condições do mar em si visto que eu estava protegido dentro do canal. Eu pude ver uma espuma sendo formada de longe mas parecia bem pouco. Quando me dei conta eu já estava na espuma e as ondas eram maiores do que eu esperava (quase 1 metro talvez) e quebrando em 2 metros ou menos de profundidade! Não dava pra saber exatamente porque as ondas eram frequentes e próximas e meu sensor de profundidade não conseguia uma leitura consistente. Se eu tivesse encalhado ali, aquelas ondas podiam facilmente ter virado meu barco e enchido de água. Se pudesse voltar atrás eu certamente esperaria pela maré alta. Fiz besteira mas deu certo e velejei sem demais problemas até Port Médoc e ancorei em frente a marina. Mais uma pro meu pote da sorte.

Próxima Parada: Irlanda! O quê?

Pois então, como parte do meu acordo com a minha empresa eu tive que voltar para a Irlanda a trabalho e fazer uns acertos finais antes da auditoria da nossa ISO27001. Enquanto eu me praparava pra deixar o barco na marina, encontrei um tripulante de ultima hora. Mr Luis Vega de Porto Rico, o corôa mais jovem que já vi na vida. Que lenda! Nos entendemos bem e confiei em deixá-lo no barco até eu voltar uma semana depois.

Trem pra Bordeaux, vôo pra Dublin e direto pro pub pra uma Guinness. #prioridades

Se você estiver se perguntando onde eu acho tripulantes: Facebook, Instagram (veja no pé da página) e crewbay.com o qual eu super recomendo entre os demais sites com o mesmo propósito. É 100% grátis! Se você tem um barco e precisa de tripulantes ou se você é tripulante e quer velejar em qualquer lugar do mundo, cadastre-se e ache o seu match! Mas por favor LEIA OS ANÚNCIOS POR COMPLETO. Eles sempre descrevem as datas e locais os quais esperam tripulantes e os custos envolvidos. Espero que achei um match que atenda a sua flexibilidade, mas geralmente é VOCÊ que se adapta a agenda do barco e não o contrário. No meu anúncio por exemplo eu procurava por tripulantes afim de se juntar numa viagem dos sonhos me ajudando a operar o barco e dividir as despesas. Meu único pre requisito era: precisa ser uma pessoa de boas com a vida e com boa comunicação. Eu estava evitando mais um tripulante-que-não-deve-ser-nomeado a todo custo (pula de volta pro primeiro post da série se perdeu essa parte). Durante a viagem vieram a bordo todo tipo de gente de 19 a 65 anos! Me dei bem com todos eles e ficaria super feliz em tê-los de volta a bordo. A experiência foi tão boa que sinto saudade dessa galera como amigos de verdade.

Agora de volta a França Londres!

Terminei meus afazeres de trabalho na Irlanda e fui visitar a Kate na barca dela nos canais de Londres. Ela até deixou eu pilotar a barca 😀

Foi ótimo ser tripulante ao invés de capitão por um momento. Zero trabalho e zero preocupação. Ótimo dia que terminou rápido. Hora de dizer tchau mais uma vez. Mas ela volta…

Voei de volta a Neverland e encontrei o Mr Vega implorando pra velejar embora daquele lugar haha. Port Médoc é um vilarejo bemmm pequeno. Antes de ir para a Irlanda demos uma volta por lá e parecia uma cidade fantasma. As casas e jardins eram bem cuidados e tudo mais, mas nenhuma alma viva na rua! Tinha um barzinho local com uns coroas apostando num jogo de dados que conseguimos tomar uma verveja e comer um pacote de salgadinhos. Sem chance de conseguir um prato de comida naquele lugar.

Posso imaginar o quanto entediado ele estava naquele lugar. Sorte a dele é que o vinho de Médoc é bastante famoso na Rota dos Vinhos Bordeaux

Próxima Parada: Arcachon (França – Nouvelle-Aquitaine)

Saímos cedo debaixo de uma neblina forte pra uma passagem de 15h. O até sol deu as caras depois e pudemos ver a praia. Uma extensão de 200km de areia conhecida como Côte d’Argent (Costa de Prata) que vai de Médoc até o sul de Biarritz. É a maior extensão de areia da Europa e parece uma praia sem fim. Velejamos em sentido sul com uma boa distância de segurança da praia.

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Foi nesse dia a melhor pescaria da viagem. Tivemos até que parar de pescar e jogar umas cavalinhas de volta por não ter como guardar na geladeira.

Mr Vega era um chefe de primeira classe por sinal. Melhor receita de marinado cheia de especiarias, pimentão, cebola e limão. Isso com arroz e um vinhozinho e eu era um capitão feliz da vida.

Chegamos na entrada do canal de Arcachon mas numa hora nao tão favorável. Estava um pouco tarde entre as marés e fomos chamados no rádio e aconselhados sobre as condições da entrada do canal (eles podiam nos ver chegando pelo AIS). Nos deram novas posições das bóias de marcação do canal visto que essas tinham mudado recentemente e as cartas náuticas não estavam atualizadas. Também aconselharam que a hora não era amigável mas visto que o mar estava bem calmo e o calado do meu barco era somente 1.45m eles pareciam favoráveis a nos deixar entrar. “Deve ser tranquilo” disseram. Mas ainda assim, o conselho era esperar a próxima maré alta durante o dia (as bóias não possuiam luz a noite). Isso significaria esperar umas 20 horas madrugando parado no lugar em frente a entrada sem nenhum lugar pra ancorar. Decidi ir devagar e voltaria imediatamente se não paracesse favorável. Não iria cometer o mesmo erro de novo! Passamos são e salvos com umas pequenas ondulações me direções variáveis e mais de 4m de profundidade debaixo da quilha. Maravilha.

Já em Arcachon, passamos alguns dias entre as ancoragens, renovamos o estoque de baguette e vinho, turistamos e partimos para Bayonne.

Fato curioso: a bandeira de Arcachon é Preta/Branca/Amarela e parece a bandeira francesa desbotada.

Próxima Parada: Bayonne (França – Nouvelle-Aquitaine)

Mais uma longa passagem com o mesmo visual da praia infinita mas agora sem nenhuma neblina. Vimos alguns golfinhos e talvez tenha pescado algum peixe, não lembro, mas foi só. 15 horas no mar e chegamos a entrada de Bayonne.

A correnteza na entrada era bastante forte esvaziando. Eu estava fazendo menos de 3 nós acelerando forte o motor rio acima. Suficiente pra nos trazer em segurança para a marina de Brise-Lames em frente a um porto barulhento e cheio de poeira voando enquanto carregavam uns navios.

No dia seguinte, num sol de rachar, pegamos um onibus até Biarritz onde a praia estava lotada. Ótimo pra uma cerveja gelada!

De volta ao barco e uma tripulante nova, Katy (Austria). A primeira pessoa que conheci que mudou ‘drásticamente’ os hábitos contra as mudanças climáticas. Evitou vir de avião e veio de trem, parando e visitando amigos pelo caminho.

Recebemos também umas meninas que fizemos amizade num Bar em Biarritz e velejamos até Saint-Jean-de-Luz onde ancoramos na Plage du Fort de Socoa. Ótimo dia boiando com boa comida, cerveja gelada, vinho, sessão de ukulele e amizades. A última parada da França não podia ser melhor.

No próximo dia, atravessamos uma linha invisível para a Espanha! Poucas horinhas de passagem que nem pareceram estar chegando em outro país.

Próxima Padara: San Sebastian (Espanha – País Basco)

Ultima história rápida antes que esse post fique ainda mais logo… Enquanto ancorados em Donostia-San Sebastian na Bahia de La Concha fomos chamados de surpresa no rádio pela guarda costeira da Espanha que perguntou em inglês:

“Neverland, quais são suas intenções?”

Pra quê? Meu subconsciente de pirata gritou:

“Quinhentos anos e muitas luas atrás os seus ancestrais junto aos Portugueses colocaram os pés em minha terra natal América do Sul, escravizaram e catequizaram nossos índios e saquearam nossas riquezas. Eu estou aqui pra tomar de volta o que é nosso! Estoy aquí por LA VENGANZA!! Arrrrrrr…”

Óbvio que eu não disse isso. Só estávamos ancorados por um dia e partiriamos para o próximo porto no dia seguinte. Ainda assim eu fico imaginando o que poderia ter acontecido se eu tivesse falado tal coisa e eles tivéssem levado a sério… Bom… Nunca saberemos!

E é isso, mais uma parte dessa incrível viagem. Um parte cheia de surpresas e constante adaptação. Achar tripulantes pelo caminho se provou possível e extremamente gratificante.

Em seguida? Se apaixonando pelo jeito tranquilo de se viver Espanhol, pinchos (beliscos), caña (cerveja) e vibe de cruseiro no verão.

País de Gales e Inglaterra (Parte I) – Velejando da Irlanda até o Mediterrâneo

11 de Abril de 2019. Eu, um Irlandês e mais um Inglês soltamos as amarras do cais rumo a uma viagem dos sonhos da Irlanda até o Mediterrâneo. Com sede de aventura, com um bom estoque de álcool, com a confiança de piratas que já velejaram os 7 mares, com a experiência de menos de mil milhas náuticas somados todos juntos, de lá saímos numa expedição através do mar Irlandês: os garotos perdidos da Terra do Nunca.

O barco estava completamente equipado (no quesito segurança) e melhorado (mas não ainda auto-suficiente) ao ponto o qual eu consideraria seguro e confortável aquela altura. Foi cedo que descobri que um tanque de 200 L de água acaba bem rápido com 3 pessoas abordo e que o gerador eólico xing ling era um barulhento e imprestável ventilador de merda.

Primeira Parada: Caernarfon – País de Gales

Motor ligado, linhas soltas e rádio verificado antes de pegar o mar.

Uma travessia semi fácil de 12h com alguns ventos de frente nos forçando a um rumo ligeiramente mais norte que esperávamos. Bom pra testar a resistência da tripulção e a nossa habilidade de considerar outros portos alternativos. O vento acabou morrendo no final das contas e apenas motorizamos rumo ao que foi planejado inicialmente. Já era quase noite quando chegamos na entrada do Estreito de Menai. A maré estava baixa e tentamos a sorte em não seguir à risca a orientação da carta náutica: “bancos de areia que se móvem, o canal não deve ser usado em nenhum momento que não em maré cheia em mar calmo”. Como o mar estava calmo, o máximo que poderia acontecer seria encalhar em 1m e meio de areia e ter que esperar uma horinha no máximo antes de poder seguir a meia hora que faltava pra chegar na ancoragem. Bom, 1.9m foi o máximo que o sensor de profundidade aferiu. Mais que o suficente pra chegar no primeiro farol, virar a bombordo (esquerda), descer a âncora e tomar umas geladas pra comemorar a travessia.

Próxima Parada: Porthdinllaen – País de Gales

Após uma visita rápida ao castelo em Caernarfon, saímos em direção a praia de Porthdinllaen, onde ficariamos ‘presos’, inicialmente na esperança de que o bar Tý Coch Inn tivesse a festa que estava programada, e depois por conta do tempo ruim nos próximos dias. Tempo de sobra pra jogar uns jogos de mesa, beber e tomar nosso primeiro banho de mar gelado. O banho rápido de mar é uma das principais formas de se economizar água a bordo. Você basicamente pula na água rapidinho só pra se molhar e sobe de volta. Se lava com sabão e pula de volta pra tirar o sabão. Pra finalizar é só tirar o sal com água fresca. Taí um banho rápido com 1 litro ou menos de água fresca.

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Estava tudo muito bem, até que não mais…

Em uma das noite ancorado não tão bem protegido, com ventos fortes e o barco pendulando na corrente, um dos tripulantes que não nomearei aqui no blog, bebeu demais. Era uma segunda-feira por volta de 10 da noite. Eu estava na minha cabine pronto pra dormir, o Irlandês, Jordan (gente boa pra caramba por sinal) estava do lado de fora no telefone e aquele-que-eu-não-vou-dar-nome levanta da outra cabine batendo pelas paredes mal conseguindo ficar de pé. Visivelmente bêbado, o sujeito sobe ao convés. Adivinha pra quê? Pra mijar no mar. Um gênio. Naquelas condições, se não fosse pelo Jordan e por mim correndo da minha cabine ele estaria ao mar. De noite. Bêbado. Com rajadas de mais de 25 nós. Barco pendulando de um lado ao outro. Água a 13°C. Não dormi aquela noite enquanto meu cérebro digeria a situação: Primeira semana e um dos tripulantes é metade ajudante e metade pior que inútil, um risco! Meu outro tripulante, é bem mais esperto e 150% confiável. Melhor velejador que eu inclusive em alguns momentos. Havia um equilíbrio. Mas ainda assim eu me sentia muito desconfortável com o outro tripulante que, acredite ou não, apresentava outros problemas includindo mal cheiro.

Conversamos na manhã seguinte e as coisas voltaram ao ‘normal’.

Próxima Parada: Pwllheli – País de Gales

Travessia fácil de 40 milhas náuticas e velocidade máxima de 11 nós na ilha de Bardsey sendo uns 6 nós só de corrente. Nem acreditei quando vi no GPS. Logo a frente no navegador havia a Laje do Diabo (Devil´s Ridge) que parecia preocupante mas a condição do mar estava tranquila e passamos com facilidade cambando em orça fechada (zig zag).

Entrar na marina de Pwllheli foi moleza na maré certa. Mesmo esquecendo a vela principal competamente içada. Oops. Como não existia vento praticamente, recolhemos sem dificuldade.

O vilarejo de Pwllheli não era lá grandes coisas pra ser sincero. Fizemos compras e na volta do mercado o Jordan se aproximou de forma meio suspeita pra perguntar a uma mulher na rua como se pronunciava Pwllheli kkkkk. Ela olhou meu assustada tipo: “o que é que esses garotos querem?” e respondeu: “púl-rréli” enquanto puxava o filho pra perto. Taí como se fala, Pwllheli. Nome peculiar gaulês que significa piscina de água salgada.

De volta a marina, tomamos o nosso primeiro banho de verdade desde que iniciamos a viagem e no dia seguinte cedinho compramos umas peças pro barco na loja náutica.

E por uma coincidência daquelas, meu instrutor da vela da Irlanda faria uma entrega de uma barco de Pwllheli até Fishguard no dia seguinte! Ele achou nosso barco na marina e veio dar uma alô. Se a loja náutica abrisse um pouco mais cedo daria pra apostar uma corrida até Fishguard! kkkk como se tivéssemos chance contra um profissional num barco novinho de 40 pés.

Next Stop: Fishguard – Wales

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A travessia até Fishguard foi maravilhosa. Golfinhos seguiram o barco pela primeira vez e a gente se divertiu pendurado na retranca a favor do vento.

Já era noite praticamente quando chegamos na ancoragem. Conseguimos achar o barco que meu instrutor estava e ancoramos por perto pra dar um alô.

Antes de dormir, percebemos que a luz de ancoragem não estava acendendo e precisariamos escalar o mastro pra consertar. Tivemos que subir no mastro por diversas vezes nas semanas seguintes por sinal. Ainda bem que eu tinha o equipamento! Grande agradecimento ao Sérgio do SV Glue Trip que me ensinou os paranauês de escalar o mastro com a técnica do nó Prusik na Irlanda. O Jordan também manjava de escalar e ajudou bastante subindo algumas vezes.

Parada rápida para falar de problemas…

Eles acontecem a todo momento! Leia de novo lentamente: TODA HORA! Primeiro foi a luz de ancoragem, depois a adriça da genoa e o sistema de enrolar a vela (voltarei a isso mais tarde) e finalmente o anemômetro que parou de rodar. Esse último sozinho foi uma batalha pro si só e tivemos que subir diversas vezes até criar coragem de fazer o trabalho certo que envolvia abrir e limpar o rolamento com WD. Consegui quebrar a peça durante o processo e um durepox resolveu bonito. Funciona perfeito até hoje!

E isso era só no topo do mastro. Próxima parada, vazamento nos canos.

Bote fora do baú, enchido, e remamos até a beira da água. Foi uma luta pra achar um lugar onde deixar o bote devido a maré que ainda estava esvaziando. Na volta foi ainda pior na maré baixa. Tivemos que arrastar o bote por uns 300 metros pra chegar na água de novo.

Fishguard era um vilarejo bem bonitinho. Especialmente a parte baixa.

No meio tempo, depois de uns amigos e da familia compartilhando a expedição, fui contactado por um jornal na Itália chamado Il Telegrafo Livorno. Eles fizeram algumas perguntas e pediram algumas fotos e um dia depois tava lá. Publicaram uma foto enorme da minha cara estampada na capa do jornal! Fiquei rindo a toa por uma semana sem acreditar. O sonho estava mais real do que nunca.

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Próxima Parada: Ilha de Skomer – País de Gales

Terminados de visitar Fishguard, decidimos fazer nossa primeira travessia a noite até a Ilha de Skomer. Um santuário de aves que abriga o famoso Puffin bird.

A noite era linda de lua cheia, céu estrelado e vento fraco. Deu pra sentir o cheiro de bosta de passarinho a milhas de distância da ilha. Por volta de 01:00 da manhã ancoramos na baía sul. E que sensação boa acordar com o som dos pássaros e um visual desses…

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Velejamos para o outro lado da ilha no dia sequinte na esperança de entrar na ilha. De lá passamos um rádio e fomos informados que a taxa de entrada só poderia ser paga em dinheiro. Como nós só tinhamos grana no cartão, tivemos que ir embora. – problemas do primeiro mundo #carinhatriste

Preocupados com o tempo, decidimos pular Milf Heaven Milford Haven para chegarmos a Cardiff e Bristol mais rápido. Optamos pela Ilha Caldey no meio de caminho. Descemos a âncora, demos uma ré pra âncora morder e bang! Um estrondo do motor antes de morrer. Demos ré na linha de pesca. Oops. Felizmente tínhamos roupa de borracha, máscara de mergulho, uma boa faca e um Irlandês extremamente motivado a entrar na água e salvar o dia.

Próxima Parada: Cardiff – O Canal de Bristol

O Canal de Bristol foi uma grande surpresa. Ele ostenta a segunda maior variação de maré do mundo com 12 a 14 metros de variação! (a maior fica na Baía de Fundy no Canadá com 16 metros de variação). Consegue imaginar uma piscina de 14 metros de profundidade vazia? Agora imagine um canal inteiro ciclando entre cheio e vazio a cada 6 horas. É impossível lutar contra uma correnteza dessas e tem-se que planejar bem a travessia. A água fica super turva e eu desisti da ideia de tomar um shot de água do mar pra comemorar minhas primeiras mil milhas náuticas. Rum escuro fez o serviço.

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Chegamos de tardinha com maré alta em Cardiff e passamos um rádio pro controle da barragem. Eles então nos passaram a baia onde amarramos o barco dentro dos portões. Passada a barragem, ligamos pra marina que já estava reservada e nos passaram a vaga pra estacionar o barco.

A marina de Cardiff era bem bacana. Eles tem até um bar aberto perfeito pra uma cerveja assistindo o pôr do sol. A noitada na cidade de Cardiff por outro lado não agradou. Talvez tenha sido o dia ou a hora, não sei. Um monte de gente bêbada e estranha nas ruas. Os bares estavam meio vazios e tinham uma atmosfera pesada. Como se diz na irlanda: no craic! Fomos ligeiros em sair em direção a Bristol no dia seguinte.

BRISTOL! – Inglaterra

Bristol foi simplesmente sensacional e ocupa a posição de cidade preferida da viagem. Até pra chegar lá já é uma aventura por si só! Desde descer o Rio Avon na maré certa, passando pela famosa cidade de Portishead, debaixo da Avonmouth Bridge antes da icônica Victoriana Clifton Suspension Bridge até chegar na primeira barragem. Depois assitir a 2 pontes se abrirem tendo o trânsito interrompido pra que seu barco possa passar. E finalmente entrando na cidade, ao lado de um bar aberto e sendo recebido pela pessoas acenando em sinal de boas vindas. Você pode literalmente estacionar o barco na frente dos bares pra tomar umas. Dá pra ser mais épico?

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A cidade é cheia de bares e restaurantes bacanas, do imperdível St Nicholas Market, uma excelente loja náutica: Force 4 e uma loja de ferramentas e materias de construção: Wickes onde eu pude comprar uma mangueira, fita de vedar cano e umas tiras de alumínio pra fazer um suporte mais robusto pro painel solar.

Também pude visitar um casal de amigos e buscar uma encomenda que eles receberam pra mim. Obrigado Tom e Júlia! A tia do Jordan também apareceu pra tomar um chá e nos deu uma garrafa de rum de presente. Obrigado Judith! Direto pra parede de boas memórias!

Uma tempestade estava previsa pros próximos dias e tivemos que esperar quase uma semana antes de poder sair da cidade. Tempo de sobra pra andar a esmo e fazer nada! Pequena nota em relação a condição dos banheiros que é oferecida aos visitantes: terrível!

Próxima Parada: Ilha de Lundy – Inglaterra

O plano pra sair do Canal de Bristol era dividir a travessia em duas pernadas até a ilha de Lundy pra não ter que lutar contra a correnteza. As opções eram limitadas e nós decidimos ancorar do lado de fora de Cardiff, na parte leste da ilha Flat Holm. Só parece ser possível durante maré morta e mesmo assim pega-se uma corrente de até 2 nós. Não muito aconselhável pra ser sincero mas ainda assim possível com tempo bom e mar calmo. A outra opção seria entrar em Cardiff de novo e pagar outro pernoite na marina. Ainda assim perderiamos um bom tempo.

A segunda pernada da travessia foi chuvosa e com ventos fracos. Decidimos voar a vela de balão pela primeira vez mas o vento estava muito fraco e fomos motorizando a maior parte do tempo. Foi então que no meio do canal ouvidmos um estrondo familiar e o motor morrer de novo. Nós tinhamos passado por cima de uma corda amarela a deriva que foi direto pra hélice. Levamos uns segundos até perceber que ela estava arrastando atras do barco. A água estava bastante gelada, logo iria escurecer e o mar estava meio ondulado naquela hora. Não tinha nenhum lugar pra ancorar por perto, não tinha vento e a correnteza iria eventualmente virar contra a gente. Era minha vez de colocar a roupa de borracha e salvar o dia. Cortei um pedaço da corda e pendurei na parede do barco de recordação.

Depois disso foi vida mansa motorizar até a ilha de Lundy onde descemos a âncora e passamos a noite. Lundy é uma das minha ilhas favoritas da viagem. Ela funciona como uma grande fazendo e reserva de pesquisa biológica e tem um visual daqueles. Cheia de pássaros, ovelhas, cabras, pôneis, gado das terras altas e muitos outros animais.

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Ficamos lá somente por um dia e zarpamos em direção ao Porto de Isaac. Foi nossa primeira tentativa de velejar sem utilizar o motor mesmo com ventos fracos mesmo que levasse a noite inteira. Foi bem entendiante navegar a 2 nós. O vento então aumentou e virou em nossa direção e tivemos que desviar para a baía do porto de Quinn onde dava pra acorar com segurança. Não dava pra ver absolutamente nada e estavmos nos baseando completamente pelo GPS. Depois de quase passar por cima de uma bóias de pesca, chegamos com segurança na baía e descemos a âncora numa profundidade de uns 5 metros.

Próxima Parada: Padstow – Inglaterra

Sabiamos que ventos fortes viriam nos próximos dias e o Rio Camel era nosso melhor abrigo. A não ser por alguns detalhes. A maré secava a maior parte do rio e a única parte ancorável em frente a Padstow era cheio de poitas. Nenhuma delas disponível para visitantes. A marina era uma outra opção mas estávamos com o orçamento apertado tentando economizar dinheiro e preferíamos gastar em cerveja. Achamos um lugar entre as poitas e descemos a âncora. Para a nossa surpresa, fomos cobrados para ancorar! O metre do porto veio até nós, gente boa pra caramba por sinal, e depois de uma longa explicação sobre história e propriedade da baía, fomos cobrados uma simbólica taxa de 40 libras para passar uma semana. Ainda assim bem mais barato que a marina que sairia facilmente por uns 35 libras a diária!

Padstow foi o maior exemplo dos “altos e baixos de se velejar”. Os Altos geramente parecem os melhores dias das nossas vidas e os Baixos, dias que gostariamos que nunca tivessem acontecido.

Chegamos na cidade no dia primeiro de Maio, por coincidência, o melhor dia do ano pra se estar lá graças ao Festival Dia de Maio ‘Obby ‘Oss. Um festival de folclore local onde todo mundo se vestia com roupas brancas de marinheiro e um lenço Azul ou Vermelho em referència ao Oss (uma espécie de boi). O Vermelho conhecido com Oss Antigo e o Azul também conhecido como Oss da Paz. As ruas cheias de gente dançando, tocando sanfona, tambor, cantando junto e tomando cerveja. Ocasião perfeita pra ir de bar em bar. Nos divertimos o dia inteiro! O clima também estava ótimo. Sol e calor. Um raro gosto de verão por essas latitudes e época do ano.

Motivados pelo tempo ruim que estava por vir e a minha decisão de esperar por lá onde estávamos protegidos, tivemos uma conversa de bêbado sobre zona de conforto e em que condições deveriamos velejar. Eles estavam ansiosos para sair em ventos fortes, o que no meu dicionário significa mais de 22 nós. e eu os comparei a soldados recrutas ansiosos pra ver bala voando na guerra. Eles queriam brigar com o mar. Na minha cabeça aquilo não fazia sentido nenhum. Como é que alguém pode gostar de vento frio, rajada de água salgada que parece cortar o rosto, barco batendo nas ondas, ouvindo aquele monte de barulho que soa como “isso não está certo”, pelo menos não na minha cabeça, lutar contra um leme mais pesado, barco inclinando até o deck e tudo caindo e quebrando lá dentro, se sentindo enjoado e aumentando a chance de ter que resolver problemas que você nem sabia que poderiam ancontecer en primeiro lugar só que agora em condições muito mais difíceis? EU NÃO!

Eu entendo que eles queriam ver como era com os próprios olhos, afinal como é que eles iriam responder aquela pergunta clássica de quem nunca velejou: “Já pegou alguma tempestade?” Mas eu era um velejador iniciante num cruseiro dos sonhos, carregando um pesado chapéu de capitão chamado responsabilidade e um coração de turista. Não me julgue, eu já estive em um tempestade com ondas de mais de 4 metros quebrando no barco durante meu curso de capitão. Também em ventos fortes sozinho até a Ilha de Man com um piloto automático quebrado. E depois de seis meses vejelando praticamente todo dia, acredite, eu já passei por isso, várias vezes! Não é agradável muito menos divertido. É sadismo dizer que gosta. Um vez ouvi uma piada de um homem que gostava de usar os sapatos 2 números menores que ele calçava só pra poder sentir o prazer de tirar o sapato depois de um longo dia de trabalho… Eu gosto de sol, brisa leve, novos lugares, pòr do sol, peixe fresco e cerveja gelada!

Piadas a parte, velejar é uma arte e existe todo tipo de velejador em cada porto. Saiba qual você é!

De volta ao nosso bote atolado na lama e com uma platéia olhando torcendo terem um motivo pra rir, demos um jeito de puxá-lo até a água e motorizar de volta pro barco.

Estava tudo muito bem, até que não mais… DE NOVO!

Uma noite ou duas depois, 02:00 da madrugada e eu ouço um estrondo! Alguma coisa bateu na gente, pensei (ou a gente bateu em alguma coisa). Acordei, abri a escotilha do meu quarto na proa e olhei em volta. Tinha essa luz verde e vermelha e alguém andando na parte de trás. Deu pra perceber que ainda estávamos ancorados. Achei que era um dos rapazes que ouviram o barulho e sairam pra ver o que era. Daí olhei pra dentro e vi que o Jordan ainda estava abrindo a entrada principal. Levei provavelmente um minuto inteiro, enquanto saía pro deck pela escotilha, pra perceber que tinha outro barco colado ao lado do meu e a pessoa que estava andando era o capitão no outro barco que bateu na gente e ficou preso numa das ferragens do meu barco. Ainda dormindo em pé e confuso eu perguntei a ele: “Vocè que arrastou âncora ou foi a gente?” Ele só respondeu que não sabia. Analizamos a situação que era: Ele estava sozinho e foi carregado pelo vento e pela corrente, bateu na gente e ficou agarrado.

O que realmente acontecer aquela noite? Até hoje eu não sei. Eu e o Jordan ajudamos a livrar o barco dele do nosso e ele foi carregado pelo vento e correnteza rio abaixo. Nem pediu desculpas. Tudo que eu sei é o nome do barco era “Just For Now” porque AlS do barco dele estava ativo naquela hora. Também por conta de uma pequena marca de tinta amarela no meu barco, que batia com a de um casco de uma barco parado na marina do dia seguinte. Culpado!

De volta pra dentro do barco havia um Senhor Você-Sabe-Quem, vomitando no banheiro por ter bebido duas garrafas de vinho (e mais um pouco) sozinho e mal conseguindo falar.

Imagina meu cérebro fervendo num sentimento que não sei nem se tem nome. Aquele evento podia ter sido um desastre. O outro barco podia ter feito um buraco no meu casco, poderia ter nos arrastado junto com ele pra cima de outros barcos, ou entao encalhado e virado de lado e entrado água, principalmente por conta dos ventos fortes e correnteza, e lá estava ele, não apenas imprestável mas precisando de babá de novo.

Por sorte o problema foi facilmente resolvido e nada de grave realmente aconteceu, mas foi a última gota. O famigerado precisava ir embora.

Coloquei minha cabeça do lugar e escrevi todos os motivos que eu tinha pra mandar ele embora (tinha bastante) e tive um plano sensato pra próxima manhã: “Vamos para Falmouth nos próximos 10 dias onde deve ser mais fácil pra você encontrar outro barco e eu outro tripulante”.

Se você me conhecesse pessoalmente, saberia o quão difícil foi aquilo pra mmim. Procuro ser o mais diplomático e sensato o possível e sempre tento evitar conflito. Mas aquele era o meu sonho e pra mim não estava dando certo.

Imagina a atmosfera no barco pelos próximos dias.

O Irlandês ajudou muito tentando melhorar o clima a bordo mas só chegamos no fundo do poço daquele “Baixo” mais tarde naquele dia. Tivemos a ideia de ir pescar com uns equipamentos que compramos em Padstow e o plano foi por água abaixo literalmente. Cerca de 150 L ou precisamente tudo que tinha no tanque de água fresca. A culpa dessa vez era toda minha. Existia um pequeno vazamento na tubulação de água fresca que estava me infernizando e eu fiz um péssimo trabalho tentando consertar. A mangueira que instalei se soltou e a bomba de água que ficava ligada o tempo inteiro fez o resto do serviço nos deixando naquela situação. Tinhamos um casco cheio dágua pra secar e apenas umas garrafas extras de água sobrando. Voltamos para a ancoragem.

Aquele dia parecia ser 2020 sozinho. HÁ

Próxima Parada: Newquay – Inglaterra

Newquay era um porto que seca com a maré e a entrada foi bem complicada, não só por conta do vento forte e das ondas mas também por conta de dois grupos remando alucinadamente contra as ondas em dois botes. bem em frente a entrada do porto. Pra piorar a situação, um deles capotou e eles se espalharam boiando nos coletes salva vidas. Eu já estava ali esperando e lutando conta as ondas, esperando uma chance de poder entrar, e agora tinha que me preocupar também com um deles vindo pra baixo do barco! Depois de longos minutos mantendo distância e rodando em círculos, eles foram resgatados e abriu-se uma janela para entrar no cais. Essa foi uma daquelas situações de estresse alto onde as coisas podiam dar muito errado muito rápido. Um monte de gente olhando de cima do cais. Eu estava firmado no timão em base: “Deixa comigo!”. Com calma e de vagar, escolhendo o ângulo e tempo certo entre as ondas passei pela entrada estreita que oferecia muito pouca margem para erro e as coisas ficaram muito mais calmas lá dentro. Reajustamos os defensores para onde parecia mais protegido das ondas e paramos o barco na parede Leste do cais ao invés da parede Norte.

Enquanto arrumavamos as cordas do barco fomos cumprimentados pelos pescadores mais gente finas que já vi na vida e eles ficaram cheios de inveja quando dissemos que iriamos pras ilhas Scilly. “Ahhhh leva a gente!”. As pessoas era tão gente boas e o dia estava tão bonito que decidimos passar o resto do dia e ‘secar’ Neverland na parede do cais pela noite.

‘Secar’ o barco na parede é complicado (foto abaixo), principalmente quando o mar não está 100% calmo. Ainda havia umas pequenas ondas entrando no cais e eu tive que passar a noite inteira acordando de hora em hora pra ajustar as cordas e evitar que o barco batesse na parede danificando o estaiamento. Pra ‘secar’ o barco, amarra-se uma adriça em terra firme pra manter o barco levemente inclinado em direção a parede. Não muito para não danificar o estaiamento e não pouco para o barco nao virar para o outro lado, o que seria um desastre total. Eu gosto de adicionar uns galões de água na proa quando o fundo é inclinado para o barco sentar na quilha certinho e não empinar para trás. Tenha certeza que sua quilha aguenta o peso do barco!

É assim que o barco fica quando ‘seca’. Essa foto foi tirada ainda na Irlanda quando eu limpei e pintei o fundo entre as marés.

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Próxima Parada: lhas Scilly – O Caribe Inglês

Nossa travessia até as Scillies foi definitivamente uma das mais agradáveis com tempo maravilhoso. Exceto quando a vela da frente despencou do nada feito uma árvore morta. Madeira! Rapidamente desligamos o motor e puxamos a vela pra cima do barco. A adriça tinha arrebentado devido a um problema no rotor do topo do mastro que estáva desgastando a corda da adriça. Simplesmente conectamos a outra adriça da frente, hasteamos a vela de volta e continuamos velejando. Percebe como a vida é mais fácil com tempo bom?

Terminamos de chegar a baía da ilha de St Mary, prendemos o barco a uma poita e fomos para terra firme!

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Chegamos lá no dia Cinco de Mayo (beba um shot de tequila se você sabe que dia é esse), o último dia de um campeonato de remo e estavam todos se divertindo e cantando canções de marinheiros! Nós também obviamente de bar em bar. Como se diz na Irlanda: GREAT CRAIC!

Até no caminho de volta, quando tentávamos ligar o motor do bote, acabamos encontrando uns caras mais bêbados que a gente procurando o bote deles. Um deles, auto proclamado engenheiro marinho que não conseguia identificar uma mangueira de combustível solta do tanque, tentou ajudar sem sucesso. Acabei conseguindo eu mesmo depois de algumas tentativas. De qualquer forma, tive que convidar os caras pra tomar mais umas a bordo. De volta ao barco, enquanto subíamos a bordo, o Irlandês se apoiou na escada mal presa e caiu na água com a escada e tudo. Nosso primeiro homem ao mar! Ficamos rindo disso a noite inteira.

Com aquela ressaca clássica acordamos no dia seguinte com bacon, ovos mexidos e uma Guinness, por que não? Um dos rapazes dormiu no sofá da sala e voltou com a gente pra terra firme no dia seguinte e nunca mais foi visto hahaha. Não lembro nem o nome do sujeito mas lembro que ele era nativo da ilha. Gente fina!

Fomos dar um mergulho e pular das pedras e depois disso o tempo voltou a ficar horrível. Tempestade atrás de tempestade. Não deu nem pra aproveitar as outras ilhas. Mesmo protegidos ainda sim haviam umas ondas que não me deixaram dormir direito por dias. Eu estava decidido a dormir em uma marina na próxima parada: Penzance.

Próxima Parada: Penzance e Falmouth – Inglaterra – Final da Parte I

O Irlandês Jordan, também tinha planos de comprar o próprio barco com um amigo de Belfast – uma das razões pela qual ele quase não veio nessa trip. Então ele pegaria um avião pra Grécia saindo de Penzance. Quando deixamos as ilhas Scilly já estávamos em clima de despedida.

Chegamos na marina, amarramos as cordas, o Jordan fez suas malas, abraço apertado, boa sorte e até logo. “Um dia a gente se encontra em algum porto pelo mundo”.

Fui dar uma volta pela cidade e tomar uma cerveja, voltei e consegui ter uma noite de sono própriamente na marina.

Saí para Falmouth no dia seguinte com o-outro-tripulante que desembarcou logo em seguida pra nunca mais ser visto de novo. Sem abraço. ADIOS!

Então é isso. Fim de um longo e intenso capítulo. Uma experiência de vida em apenas 30 dias. Tanto aprendi. Tanto ainda tinha que passar pela frente… Os garotos perdidos da Terra do Nunca haviam debandado. Eu estava sozinho. Então eu fiz o que qualquer outro velejador faria. Carta náutica de volta na mesa, tenho o Canal da Mancha pela frente.

Próximo Post: França e Espanha – Biscaia

Você pode seguir o Jordan e suas aventuras aqui!

Mais fotos…

Velejei até a Ilha de Man e voltei. Sozinho…

Essa é a história do meu desafio pessoal mais corajoso. Era meu aniversário de 31 anos e eu decidi encarar um desafio no mar como presente (sim, eu me amo), então eu atravessei o mar Irlandês mais uma vez até a Ilha de Man, mas sozinho dessa vez. Eu estava receoso, foi mais assustador do que eu imaginei. O tempo não estava tão ruim quanto a “Besta do Leste 2.0” atingiu a Irlanda durante meu curso de capitão em Março com ondas de 4 metros, mas eu não era o capitão no comando do barco naquele dia e também não estava sozinho. Dessa vez era somente Neverland e eu e o bagulho ficou loko foi tenso!

“Mar calmo nunca fez bom marinheiro…”

Dia 1 – A Travessia

27 de Setembro de 2018. 4:30 da manhã e meu alarme dispara. Ainda era noite quando eu acordei com um sentimento desconfortável de “Mas que merda é essa que tô fazendo?”. Mas assim como todas as outras vezes que senti medo, eu me agarrei a ele eu fui com medo mesmo! “Eu consigo…”

A previsão do tempo era metade boa (15 nós pra baixo constante) e metade agitado (28 nós pra cima em rajadas). Tempo razoável praquele mês do ano no Mar Irlandês. O dia seguinte era ainda pior então tinha que ser aquele dia mesmo. Vale mencionar que eu tinha a ‘benção’ do meu instrutor:

Eu: “Opa, tô indo essa quinta pra Ilha de Man. Sozinho haha algum conselho?”
Instrutor: “Sempre preso ao barco! Não desconecte a linha de segurança nem por um segundo… divirta-se! Parece uma boa aventura!”

Aquilo me deu bastante confiança.

5:00 da madruga luzes de navegação ligadas, radio, AIS, plotter, motor, soltei os cabos e saí da marina de Dun Laoghaire noite a dentro. Primeiro desafio era atravesssar o canal do Porto de Dublin. Não estava tão movimentado naquela hora mas mesmo assim tive que calcular a passagem entre cargueiros e balsas 20 vezes maior que meu barco. O AIS (transponder de localização de embarcações) ajuda bastante! Depois disso era só velejar em linha reta por 12 horas. Molezinha… se tudo tivesse ocorrido como eu planejei.

Algumas horas velejando num curso nordeste, vento entre oeste e  sudoeste, lua no ombro e umas cores começam a surgir no horizonte. A parte boa de velejar, o nascer do sol no mar é lindo.

Parte boa de velejar…

3 horas mar a dentro e tomei meu primeiro susto. Estava sentado pilotando, tomando um café de boa, quando uma armadilha de lagosta passou bem perto do barco e eu achei que estivesse arrastando. Meu coração veio na boca. “F*deu, essa merda vai agarrar na hélice.” Coloquei em ponto morto por um segundo e a armadilha ficou pra trás. Que alívio. Injeção de adrenalina. Fiquei pilhado por uma meia hora.

Daí o vento começa a aumentar, e também as ondas.

As ondas vindo de trás fazem do barco uma gangorra e têm-se que compensar bastante no timão pra manter o curso.

Curiosidade: o nome original do barco era Seasaw (duplo sentido de gangorra e mar)… Que Netuno me perdoe por trocar de nome porque Neverland é bem melhor vai.

Mar de almirante…

Uma rajada forte de vento bate, o barco aderna um pouco mais e a genoa (vela frontal) começa a se agitar, ligo o piloto automático e começo a enrolar rápido. O barco faz um jibe acidental (vela atravessa pro outro lado), o café cai do suporte e suja o cockpit inteiro. Termino de enrolar a vela, de volta ao timão, piloto automático desligado, motor ligado e calmamente faço um jibe de volta ao curso.

Pausa dramática. Meu piloto automático não segurava o curso…

Ainda consigo sentir a injeção de adrenalina enquanto escrevo. Meu plano era tão ‘certo’, ligar o piloto automático quando eu estivesse cansado e relaxar. Mas planejamento e velejo são inimigos e eu sabia, não eu não sabia, não meu piloto automático, não sozinho. P*ta que *****. (xinguei pra c***lho essa viagem)

Analisando a situação:
To sozinho no meio do mar eu mal vejo terra atrás de mim (mas o barco continua flutuando de boa), meu piloto automático não mantém curso (continuo pilotando), tem café por toda parte no cockpit e está escorregadio (vou ter que limpar isso de alguma forma), a caneca térmica e a tampa estão rolando no chão (pega e joga na pia lá de fora de qualquer jeito), cadê minha garrafa de água de 2 litros? (sumiu… mil desculpas, oceano. De verdade =/), a vela principal já estava risada pela metade (vou precisar risar mais ainda depois). Respira fundo. Tá tudo certo.

Tomando decisão:
Velejar de volta por 5 horas ou continuar pilotando na mão o resto da viagem por mais 7 horas…?
.
.
.
Já sabe a resposta né?

Não era nem metade do caminho a essa altura e o plano era ir de voltar! Confesso que sou um cara teimoso e quando eu quero alguma coisa, eu não quero mais nada além daquilo. Então eu segurei a onda, lavei o café do chão com a ducha do deck e continuei indo. Sim, eu tive que pilotar na mão por 13 horas nesse dia.

Dali pra frente eu tive que ter umas considerações porque meu piloto automático não era confiável e eu nao podia deixar o timão por mais de 30 segundos, então:

  • Motor e vela o tempo inteiro.
  • Não subir de volta a vela principal. Pela previsão eu iria precisar diminuir ela mais pra frente.
  • Genoa parcialmente aberta.
  • Sem banheiro. Essa parte precisa de mais detalhes. Eu estava usando um macacão até o ombro, uma jaqueta por cima, um colete por cima e preso ao barco pela linha de segurança. Você não tem ideia da dificuldade que foi alcançar, colocar pra fora e fazer o negócio pra trás do barco pilotando sem cair enquanto o barco subia e descia e ia pra um lado e pro outro. Fica aí na imaginação. Ainda bem que não deu vontade do número 2.
  • Relaxar que estava tudo de boa.

Eu já tinha uns sanduíches prontos na geladeira e também um monte de biscoito e chocolate, daí eu tinha que calcular o tempo entre as ondas, ligar o piloto automático, colocar o pé dentro do barco, soltar a linha de segurança, pegar comida (água, olhar o AIS, carregar o celular), plugar a linha de segurança novamente e correr pro timão em 30 segundos (ô loko meu!) pra corrigir o curso que já não era o mesmo. Fiz isso umas seis ou sete vezes durante a travessia.

Bom, nessa segunda parte da travessia as ondas de até 2 metros ainda incomodavam um pouco mas o sol estava firme sem nuvens e o vento não estava muito forte. Então na metade da travessia eu tive meu almoço e uma cerveja pra comemorar e dar uma levantada na moral. Estava tão bom quanto o nascer do dia mais cedo, mas não por muito tempo. Eu também passei perto de um barco pesqueiro no meio do nada e a gente deu um tchau um pro outro. Me senti um pouco menos sozinho naquela hora.

Mais algumas horas de mar e terra à vista!

Mal dava pra ver Calf of Man entre as nuvens mas já era hora. Eu estava ficando preocupado na verdade, pelos meus cálculos era pra estar visível uma hora atrás mas estava nublado. Meu celular já tinha sinal a essa altura e eu liguei pro capitão do porto de St Mary (Neil Collister. Cara super gente boa que me ajudou bastante por lá) pra avisar que eu chegaria por volta das 7 da noite e pra pedir mais instruções sobre onde deixar o barco (voltarei a esse ponto em breve).

O noroeste bateu e bateu forte! Barco adernando e velas agitadas, eu tinha que enrolar a genoa de novo e risar a vela principal. Proa pra cima do vento, piloto automatico ligado, enrolei a genoa correndo e verifiquei de volta o piloto automático. O curso estava estável com o vento de frente. A vela principal extremamente agitada, o barco batendo forte nas ondas, vento assoviando alto, adriça frontal batendo no mastro sem parar. A sinfonia dos infernos. Mas o piloto automático estava mantendo curso com o vento de frente. Quase dava pra me ver sorrindo nessa hora, até a corda que mantém a vela principal na menor configuração ficar agarrada em algum lugar perto do mastro. Fudeu! (sem asterísco)

O vento estava acima de 30 nós (~55 km/h), o barco subindo e batendo nas ondas e meu piloto automático, bem, eu tinha que torcer pra ele continuar segurando o curso. Essa foi a parte mais perigosa da viagem. Eu tinha que andar até o mastro e mesmo preso pela linha de segurança, qualquer vacilo ou azar e eu podia ficar pendurado pra fora do barco arrastando na água, esperançosamente consciente pra escalar de volta. Soa dramático eu sei. Nada de ruim aconteceu, a corda estava presa onde entrava na retranca, eu consertei, voltei, terminei de risar a vela e barco de volta ao curso.

Respira fundo. Relaxa, está meio agitado mas só faltam 3 horas.

Sente a brisa…

Passei do Calf of Man e o canal entre a parte principal da ilha e cheguei num paredão protegido do vento chamado Spanish Head. Desci a vela principal com segurança e fui de motor até Port St Mary.

Quando eu cheguei em Port St Mary já era maré baixa e a parede do cais onde eu supostamente deveria amarrar o barco tinha 20 metros de altura. Eu deveria me aproximar do paredão com 20 nós de vento me jogando pra cima, prender o barco temporariamente na escada, pegar dois cabos de mais de 20 metros, subir a escada e amarrar o barco lá em cima. Cansado e sozinho. Sem condições… Achei um lugar entre as poitas e barcos e joguei a âncora pra passar a noite. Ainda ha tempo pro pôr do sol…

Pôr do sol da janela

Orgulhoso de ter atravessado sozinho, hora de aproveitar o pôr do sol, dois burgão caprichados, uma garrafa de prosecco e minha própria compania. Só alegria.

Dia 2 – Hora de explorar a ilha

Bom dia Port St Mary!

O plano pro dia era tomar café a bordo, encher o bote, remar até o cais, tomar banho e ir passear. Fiz minha mochila, pulei no bote e remei até o paredão.

Neil me viu remando até o cais e gentilmente deixou que eu amarrasse meu bote no barco dele ao invés de ter que arrastar rampa acima seguro da maré que naquela época subia até 5 metros.

Tomei meu banho, peguei umas dicas sobre a Ilha, saí andando tirando foto como um turísta clássico, fui pra Port Erin, tomei um café e esperei o próximo trem pra Douglas. O Trem a vapor é uma atração por si só e visita obrigatória na Ilha de Man.

Trem a vapor @ Port Erin

Peguei uma cabine inteira só pra mim e tanto o passeio quanto a vista e as estações são sensacionais.

Que trip… Que dia…

Não esqueça de verificar as datas, o trem não funciona o ano inteiro. O ticket custou 12£ ida e volta.

Douglas é a capital e também a maior cidade da Ilha de Man. Ela é cheia de atrações incluindo o Manx Museum (Manx, lê-se mænks, é uma referência as pessoas Celtas orgidinadas na Ilha. E também gatos sem rabo – Manx cats). O museu é gratuito, o que me surpreendeu e senti que deveria deixar umas moedas na caixinha de contribuições. Ele apresenta 10.000 anos de história da Ilha e seu passado Viking e Celta. É parada obrigatória. Também andei pela marina e baía de Douglas tirando fotos. Procurei um pub pra comer alguma coisa (e tomar uma obviamente) e descobri que nenhuma cozinha funcionava depois das 3 da tarde. Tive que almoçar cerveja e salgadinho de batata. Coisa fina. Esperei o último trem e fui de volta pra Port St Mary.

Baía de Douglas

Dia 3 – Feliz Aniversário e o circuito inteiro da TT Race numa clássica Triumph Street Twin 900cc

Pra quem não sabe, a Ilha de Man é internacionalmente famosa por corridas de moto e tem a fama de “capital mundial de corrida de rua”. O evento mais famoso é o Tourist Trophy Race ou apenas “TT Race”. O evento que pode ser classificado como controverso visto que todo ano morre ao menos um piloto! 2018 foram 3. Surreal eu sei. Mas como um bom amante de motociclismo eu tinha que dar uma volta então eu fui ao Jason Griffiths Motorcycles e aluguei uma Triumph Street Twin 900 cilindradas (nervosa a motoca). O preço foi bem salgado: 200£ a diária + 1500£ de depósito (~8 mil reais numa facada só no cartão. Devolvem os ~7 mil na volta). Mas era meu aniversário e eu merecia queria muito. Já disse que me amo =)

Triumph Street Twin 900cc. Bike mais nervosa que já pilotei.

Fica a dica: NÃO vá lá no dia 29 de setembro. O cara que trabalha lá faz aniversário no dia 30 e, já que ele NÃO trabalha no aniversário dele, você vai ter que devolver a moto no mesmo dia e ainda assim pagar o preço inteiro. Ele vai te emprestar os equipamentos de graça pelo menos. 

Eu queria fazer o circuito inteiro, daí me deram um mapa e instruções. Foi inacreditável pilotar por aquelas estradinhas e ruas sabendo que correm ali a mais de 300km por hora sem proteção nas curvas nem nada. No final de cada reta tinha ou casa de alguém ou um bar ou uma igreja ou um penhasco. Eles também dirigem do lado esquerdo da pista mas eu já estava acostumado por morar na Irlanda já a alguns anos. Teve algumas partes com trânsito lento devido a tratores se deslocando entre fazendas. Por outro lado não existe limite de velocidade em alguns pontos! Fica aí subentendido que eu estava a no máximo 80km/h o tempo inteiro 😉 Beijo mãe!

No meio do circuito, uma parada rápida na Grande Laxey Wheel, a maior roda d’água ainda em funcionamento do mundo construída em 1854 para bombear a água do complexo industrial das Minas de Laxey. A mina extraia chumbo, cobre, prata e zinco antes de ser fechada em 1929. A entrada ao local custava 8£. A roda d’água era sensacional, confere só.


Já a mina nem tanto… Eles te dão um capacete pra entrar e dá pra ir até o final e voltar em menos de 1 minuto. O complexo também possui trilhas, mas eu não tinha muito tempo pra ficar por lá.

Terminei o circuito, devolvi a moto sem nenhum arranhão, peguei meus 1500£ de volta e peguei um ônibus de volta pra Port St Mary.

Fui direto pro Albert Hotel pub, um lugar com 5 estrelas de avaliação “Ótimo pub local” e também com 1 estrela de avaliação “Horrível” (os dois provavelmente escritos por gente criada a leite com pêra e ovomaltino na geladeira), pra tomar umas e assistir Chelsea x Liverpool. Aparentemente todo mundo na ilha torce pro Liverpool e você tinha que ver a felicidade dos caras quando Daniel Sturridge empatou o jogo aos 45 do segundo tempo. Tinha um cara pulando nas costas dum amigo.

Depois do jogo e algumas cervejas era hora de voltar pro barco. Eu não podia beber muito no pub porque eu precisava descer a escada do cais e ainda remar até o barco. Não aconselhável fazer isso bêbado e sozinho. Que bom que eu tinha mais cerveja no barco. Por sinal, cerveja é o que NUNCA falta no barco. (Mas pode trazer mais se quiser fazer uma visita)

Dia 4 – Dia de folga

Fui dar uma caminhada rápida pela cidade pra suar o álcool e a ressaca, comprei umas besteiras pra viagem de volta, paguei a conta do pier, tchau e obrigado ao Neil. De volta pro barco, bote no baú, últimas checagens e preparações pra travessia, post no Instagram, janta, vinho, alarme e boa noite!

Dia 5 – Atravessando de volta com golfinhos

5 da madruga e o alarme me acorda. Café da manhã rápido, luzes, instrumentos, checagens finais, motor ligado e desprendo o cabo da poita.

Minha estratégia de volta era basicamente a mesma: motor ligado e vela principal risada e sempre de olho na genoa quando batesse vento forte. E lá fui eu de volta noite a dentro balançando com as ondas e golfinhos!

Já havia amanhecido quando eu vi uns golfinhos nariz de garrafa em volta do barco. Tinham uns 6 ou 8 eu peguei o celular correndo pra filmar. Não havia forma melhor de começar o dia.

https://www.instagram.com/p/Bod466KHbq9/

Os golfinhos foram o ponto mais alto da volta que foi um saco e meu piloto automático ainda não conseguia manter o curso com as ondas vindo do meio pra trás do barco, então eu me mantive pilotando e comendo besteira e tomei umas duas cervejas pra passar o tempo.

10 horas de tédio pilotando sozinho e o vento vira de cara pra onde eu estava indo, mais cedo que o previsto. Então o que era pra durar umas 2 horas em linha reta se transformou em 3 e meia fazendo zigzag. Eu estava extramamente cansado a essa altura e precisando sériamente descansar. Liguei o piloto automático com fé e ele segurou a barra em orça fechada (45 graus do vento) com as ondas do meio pra frente do barco. Desci, peguei um travesseiro, voltei pro cockpit e deitei pra descansar. Por umas 2 horas eu levantava a cada 10 minutos e dava uma olhada completa em volta. Eu estava destruído.

zig zag

Já anoitecendo, assim que eu entrava na marina de Dun Laoghaire o vento aumentou pra força 6. Desci a vela, pilotei pra minha vaga e bati o barco no deck da marina (gentilmente haha). Pulei correndo e prendi o barco do jeito que dava. Olhei o casco e o deck e nem tinha amassado nada. Terminei de arrumar o barco, corri pra tomar uma ducha quente, roupa limpa, fui andando igual a um zumbi até o Forty Foot, pedi minha cerveja favorita e o maior hamburguer do menu: The Empire State. Levei 10 minutos pra terminar o que parecia ter sido a melhor janta da minha vida. Me arrastei de volta pra marina num vento que já atingia força 7 a 8 (quase 70km/h)! Aquilo foi só uma hora depois de eu ter chegado eu fiquei imaginando como seria se eu ainda estivesse velejando naquelas condições cansado com eu estava. Eu estava tão aliviado a essa altura e tudo que eu queria era dormir. Ao mesmo tempo eu me sentia meio que com sorte e aquilo me incomodou bastante. Sorte não faz parte de plano nenhum meu e aquilo tirou um pouco do meu orgulho. De qualquer forma tinha terminado, completei a travessia e estava tudo certo. Eu precisava dormir e eu capotei na cama como um sentimento desconfortável de “Eu realmente tenho que ir pro trabalho amanhã?” “Eu consigo…”

Resumo: 5 dias, 27+ horas velejando sozinho em vento forte, 40 litros de diesel, 6 passeios de bote, 3 hamburguers, um monte de susto, problemas com o piloto automático, um trem a vapor, um trem elétrico, um trem a cavalo (sim, você leu certo), um moto classica 900cc, o circuito inteiro da TT race, uma roda d’água gigante, uma mina, gatos sem rabo, a boa e velha cerveja de sempre, uma partida de futebol e velejar com golfinhos. Obrigado Ilha de Man por mais uma grande aventura.



Atravessamos o Mar Irlandês até o País de Gales!

4 de Agosto de 2018. Dois meses após a compra do veleiro Neverland (Terra do Nunca) nós iniciamos o que seria a maior aventura de nossas vidas: Atravessar o Mar Irlandês até o País de Gales.

Terra a vista! Foto oficial da tripulação após a travessia do mar Irlandês.

7 da manhã, nos encontramos na entrada da Marina de Dun Laoghaire (Dun Leary). Julius e Benjamin (dois alemães que conheci no curso de radio VHF) com duas bolsas pesadas de provisões que eles se encarregaram de trazer. Nós já tinhamos discutido o plano de navegação e iniciamos a viagem logo que chegamos ao barco.

Os alemães ficaram encerregados da cozinha e tinham até um menu pra café da manhã, almoço e janta! Impressionante a organização dos caras.

O Plano

O plano era bastante simples:

Dia 1 – Velejar até o País de Gales (Porthdinllaen) e passar a noite ancorado. – Tem bar a gente bebe!
Dia 2 – Velejar até Caernarfon (Victoria Dock) e andar pela cidade. – Jogar um Settlers of Catan depois.
Dia 3 – Retornar a Dublin. Vivos. – Essa era a condição básica da viagem.

As Funções

Capitão – Moi! Arthur: Minha responsabilidade é tomar as decisões a bordo, manter o barco flutuando, todos a salvo, equipamentos necessários em dia, plotar o curso de navegação, navegar, pilotar o drone, beber durante o dia e pilotar o barco também, claro.

Tripulação 1 e 2 – Benjamin e Julius e vice-versa: Operar os cabos, escotas, catracas, pilotar o barco, vigiar a vida selvagem marinha, pescar (pescaram uma gaivota), falar em alemão nas minhas costas (die arschloch), manter a chaleira acesa e cozinhar.
Obs: tive que googlear a tradução de todos esses termos náuticos pra português, veja só.

E depois de uma semana de preparação do barco, diesel, tanque de água, estoque de vinho e jogos de tabuleiro, estavamos prontos pra travessia.

Dia 1 – Dublin até Porthdinllaen

7:20 da manhã ligamos o motor, soltamos os cabos e seguimos caminho pra fora do porto num curso de 112 graus na bússola. Içamos as velas mas o vento estava tão fraco que decidimos descê-las e ficar só no motor. Pra ser sincero, fomos basicamente de motor durante toda a travessia até Porthdinllaen, que por sinal até hoje eu não sei pronunciar =/.

Meia hora em curso e começamos o café da manhã no cockpit, piloto automático ligado e um mar tão calmo que parecia um espelho.

Café da Manhã: Cereal, pêssego, banana e leite velejando. Benefícios de um piloto automático.

E assim continuaria por 12 horas revezando na pilotagem, dormindo, comendo besteira, tomando café e apreciando a vida marinha que de vez enquando mostrava a cara (ou nadadeiras). Estava claro pra mim que velejar era uma experiência preguiçosa que dá vontade de deitar, relaxar e apreciar pequenas coisas que acontecem em volta, como o sol brilhando no rosto ou golfinhos nadando em volta.

Um mar tão calmo que é quase entediante pilotar…

5 horas mar a dentro e já não viamos terra em nenhuma direção. Foi a primeira vez que tive essa experiência num barco e foi super de boa. Sem medo sem nada, afinal os instrumentos mostravam terra atrás e à frente e sabiamos que estavamos no rumo certo. Foi bem entediante na verdade e a gente tentava o tempo todo fazer alguma coisa pra passar o tempo.

"-Cara, quer um kitkat? Eu pego lá pra tu..."

Tentamos jogar umas iscas falsas com a vara de pescar e depois de 2 horas sem pescar nada, a gente vê um negócio brilhando passando pelo barco a boreste… “WTF? O barco tá virando pra cima da linha?” foi quando percebemos que uma gaivota se enrolou na isca tadinha. Paramos o barco e ajudamos a gaivota que na verdade se desenrolou sozinha e deixou uma pena presa na isca.

Durante as próximas horas, vimos um filhote de baleia, algumas focas, uma porrada de água viva (umas do tamanho de uma roda de carro!), várias bóias de armadilha de lagosta que parecia um campo minado e também lixo (plástico) boiando infelizmente.

E então… Terra a vista!

Do c***lho ver terra de novo…

Benjamin foi o primeira a avistar terra no meio das nuvems no horizonte (a gente achou que era só nuvem pra ser sincero haha). Depois de uma hora e tal, ficou claro que a gente tinha avistado o País de Gales. Parece bem perto quando se avista, mas leva umas 4 horas pra chegar lá de verdade.

20:00 chegamos na área de ancoragem (só escurecia perto das 10 da noite naquele dia), achamos um lugar entre outros barcos, jogamos a âncora, tomamos um shot de vodka forte que os alemães trouxeram e dissemos algumas palavras pra celebrar, tiramos uma foto, uma janta caprichada, enchemos o bote igual a nossa cara, instalamos o motor pesado no bote, aprendemos a ligar o motor na hora e fomos pra praia beber. Precisavamos fortemente de uma cerveja!

Chegando na praia, quatro caras altamente suspeitos que pareciam ter saído do cast de Trainspotting (assistam), cerveja na mão, vieram dizer oi e perguntaram de onde nós eramos. A gente apontou pra água e disse meio que rindo: “Da Irlanda, cara. A gente acabou de atravessar o mar no nosso barco.” E eles ficaram tipo: “Wow. A gente pode ir no barco?” HAHAHA NÃO!

Daí arrastamos o bote praia acima seguro da maré que estava enchendo ainda e fomos pro bar. Fiquei de olho no bote o tempo inteiro.

Já era quase noite quando chegamos no Tŷ Coch Inn, um bar pequeno em frente a praia (eleito um dos top 10 bares de praia do mundo de acordo com algum blogger aleatório). Eles tinham algumas cervejas Gaulêsas na choppeira que eram bem boas até. Do lado de fora, um DJ tocava numa tenda e andando entre o pessoal dançando o “floss dance” (googleia aí se não conhece), um gaules parou de dançar e disse: “-Excuse me! I am flossing like a motherf***er!” – suas exatas palavras eu juro – e voltou a fazer dança. A gente achou um lugar vazio e parou pra beber. 

Algumas cervejas depois e um monte de conversa com os locais, era hora de voltar pro barco. Só tinha um problema, estava completamente escuro e não dava pra ver mais de 5 metros à frente. A gente tinha uma ideia de onde o barco estava. Mais ou menos. Com sorte, achamos o barco, amarramos o bote e fim de dia. E que dia!

Mas não antes de perceber o céu. Eu nunca vi tanta estrela na minha vida. O céu estava completamente limpo e abri a escotilha e fiquei olhando… Bêbado a essa altura claro…

Dia 2 – Porthdinllaen até Caernarfon

"Good moooorning vietnam!"

Mergulho matinal na água gelada, café da manhã, bote e motor de volta no baú, levantada a âncora e pronto pra zarpar.

Tentamos ligar e passar um radio pra Victoria Dock (Marina em Caernarfon) mas ninguém atendeu, então tentamos a sorte e partimos pra lá na esperança de ter uma vaga pro barco pra passar a noite. Tinha um sistema de represa na marina devido a maré então saímos a tempo antes do meio dia.

3 horas depois estamos na entrada do canal. O chart (carta nautica do aplicativo Navionics) reportava trechos extremamente razos quando na verdade o canal inteiro entre as bóias tinha profundidade segura durante todo o caminho até Victoria Dock. 1 hora canal a dentro e chegamos lá: Caernarfon (kær nar vin – Essa eu sei pronunciar).

Entramos na marina por volta de 3 da tarde e surpreendentemente achamos uma vaga logo de cara. Amarramos os cabos e fomos pro escritório do capitão do porto. “A gente pode abastecer de diesel também?” “Claro, vocês já estão na vaga de abastecimento de qualquer forma. Vou pedir pra vocës colocarem o barco lá no final do lado daqueles outros lá depois.” Estava fácil demais pra ser verdade. Mas então, o barco imediatamente a nossa frente saiu e nós só empurramos o barco pra fora da vaga de abastecimento. Sorte minha porque a outra vaga era tensa.

“Acelera aí. Vamos correr pro castelo antes que feche!”

O dia estava bem bonito e as ruas cheias de gente aproveitando. Fomos ao Castelo de Caernarfon, uma construção que se iniciou no século 12 e era cheia de história incluindo referências ao Rei Arthur. O castelo era bem bonito e tinha muralhas em volta protegendo a cidade do lado de dentro. A entrada de adulto custava £9.50 no dia. E valeu super a pena.

Depois do castelo, andamos pela cidade dentro das muralhas e depois fomos ao Ben Twthill. 10 minutos de caminha da cidade, o morro tinha uma vista incrível de toda a cidade e ainda tivemos tempo de brincar com o drone lá de cima.

Descemos de volta à cidade pra tomar umas no Black Boy Inn, um hotel/restaurante/pub datado do século 15! Não comemos por lá, só tomamos umas cervejas no bar. As atendentes eram super sorridentes e amigáveis. O teto baixo era coberto de notas de dinheiro de países diferentes daí o Julius deixou uma nota aleatória do Nepal que ele tinha na carteira. A atendente chegou a achar que ele queria pagar com aquela nota rs mas logo entendeu que era uma contribuição pra decoração do bar.

De volta a marina, tomamos uma ducha que era terrivelmente quente por sinal, eu parecia um pimentão no espelho. Isso é um problema comum por essas bandas de cá, tem uma torneira pra cada e geralmente ou são muito geladas ou muito quentes.

A essa altura, a parte turística da viagem havia acabado e quando chegamos ao barco já estavamos em clima de despedida. Sentamos uma ultima vez no saloon do barco pra tomar um vinho e jogar uma partida de Settlers of Catan (famoso jogo de tabuleiro pra quem não conhece). Dica: não jogue jogos de conquista de território com alemães. Eu perdi obviamente.

Após o jogo encerramos o dia e deixamos as coisas meio que preparadas pra zarpar cedo no dia seguinte.

Dia 3 – Caernarfon até Dublin

Spoiler: Atravessamos de volta. Vivos.

6:30 da matina era a hora que o capitão do porto informou que abriria o portão do sistema de represa da marina. Enchemos o tanque de água rapidinho e deixamos Victoria Dick junto com mais outros 2 barcos. Um deles estava indo pra Dublin também (Howth), então usamos ele como referencia até que sumiram no horizonte.

A corrente dentro do canal estava um pouco forte e junto ao vento contra, formava umas ondas meio chatas. 1 hora canal acima e chegamos nos mar. Içamos as velas e alcançamos 7 a 8 nós de velocidade pra começar a travessia! (Isso é bem rápido pro meu barco que tem velocidade de cruseiro de 5.5 nós) O vento foi bem favorável a viagem inteira de través e conseguimos velejar durante todo o percurso até Dublin com velocidade acima de 5 nós sem problemas. Tivemos inclusive que rizar a vela (diminuir o tamanho da vela) durante um certo momento.

Algumas horas mar a dentro e vimos um caça britânico fazendo loopings e razante sobre o mar. Depois golfinhos nos seguiram por um tempo (infelizmente não conseguimos filmar) e também avistamos outras coisas aleatórias boaiando tipo armadilhas de lagosta e infelizmente mais lixo.

12 horas de travessia e estavamos de volta em Dun Laoghaire, baixamos as vela, estacionamos o barco, amarramos os cabos, tomamos mais um shot de vodka pra matar a garrafinha, algumas palavras, cheios de orgulho no peito e esse foi o fim dessa nossa grande aventura que certamente iremos lembrar e contar histórias pro resto de nossas vidas.

Brigadasso ao Ben e Julius por essa viagem incrível.

Wales Trip Gallery

Confiram também o Instagram do Ben as fotos dele são ótimas.

Próxima aventura: Velejar sozinho pra Ilha de Man.