Atravessamos o Mar Irlandês até o País de Gales!

4 de Agosto de 2018. Dois meses após a compra do veleiro Neverland (Terra do Nunca) nós iniciamos o que seria a maior aventura de nossas vidas: Atravessar o Mar Irlandês até o País de Gales.

Terra a vista! Foto oficial da tripulação após a travessia do mar Irlandês.

7 da manhã, nos encontramos na entrada da Marina de Dun Laoghaire (Dun Leary). Julius e Benjamin (dois alemães que conheci no curso de radio VHF) com duas bolsas pesadas de provisões que eles se encarregaram de trazer. Nós já tinhamos discutido o plano de navegação e iniciamos a viagem logo que chegamos ao barco.

Os alemães ficaram encerregados da cozinha e tinham até um menu pra café da manhã, almoço e janta! Impressionante a organização dos caras.

O Plano

O plano era bastante simples:

Dia 1 – Velejar até o País de Gales (Porthdinllaen) e passar a noite ancorado. – Tem bar a gente bebe!
Dia 2 – Velejar até Caernarfon (Victoria Dock) e andar pela cidade. – Jogar um Settlers of Catan depois.
Dia 3 – Retornar a Dublin. Vivos. – Essa era a condição básica da viagem.

As Funções

Capitão – Moi! Arthur: Minha responsabilidade é tomar as decisões a bordo, manter o barco flutuando, todos a salvo, equipamentos necessários em dia, plotar o curso de navegação, navegar, pilotar o drone, beber durante o dia e pilotar o barco também, claro.

Tripulação 1 e 2 – Benjamin e Julius e vice-versa: Operar os cabos, escotas, catracas, pilotar o barco, vigiar a vida selvagem marinha, pescar (pescaram uma gaivota), falar em alemão nas minhas costas (die arschloch), manter a chaleira acesa e cozinhar.
Obs: tive que googlear a tradução de todos esses termos náuticos pra português, veja só.

E depois de uma semana de preparação do barco, diesel, tanque de água, estoque de vinho e jogos de tabuleiro, estavamos prontos pra travessia.

Dia 1 – Dublin até Porthdinllaen

7:20 da manhã ligamos o motor, soltamos os cabos e seguimos caminho pra fora do porto num curso de 112 graus na bússola. Içamos as velas mas o vento estava tão fraco que decidimos descê-las e ficar só no motor. Pra ser sincero, fomos basicamente de motor durante toda a travessia até Porthdinllaen, que por sinal até hoje eu não sei pronunciar =/.

Meia hora em curso e começamos o café da manhã no cockpit, piloto automático ligado e um mar tão calmo que parecia um espelho.

Café da Manhã: Cereal, pêssego, banana e leite velejando. Benefícios de um piloto automático.

E assim continuaria por 12 horas revezando na pilotagem, dormindo, comendo besteira, tomando café e apreciando a vida marinha que de vez enquando mostrava a cara (ou nadadeiras). Estava claro pra mim que velejar era uma experiência preguiçosa que dá vontade de deitar, relaxar e apreciar pequenas coisas que acontecem em volta, como o sol brilhando no rosto ou golfinhos nadando em volta.

Um mar tão calmo que é quase entediante pilotar…

5 horas mar a dentro e já não viamos terra em nenhuma direção. Foi a primeira vez que tive essa experiência num barco e foi super de boa. Sem medo sem nada, afinal os instrumentos mostravam terra atrás e à frente e sabiamos que estavamos no rumo certo. Foi bem entediante na verdade e a gente tentava o tempo todo fazer alguma coisa pra passar o tempo.

"-Cara, quer um kitkat? Eu pego lá pra tu..."

Tentamos jogar umas iscas falsas com a vara de pescar e depois de 2 horas sem pescar nada, a gente vê um negócio brilhando passando pelo barco a boreste… “WTF? O barco tá virando pra cima da linha?” foi quando percebemos que uma gaivota se enrolou na isca tadinha. Paramos o barco e ajudamos a gaivota que na verdade se desenrolou sozinha e deixou uma pena presa na isca.

Durante as próximas horas, vimos um filhote de baleia, algumas focas, uma porrada de água viva (umas do tamanho de uma roda de carro!), várias bóias de armadilha de lagosta que parecia um campo minado e também lixo (plástico) boiando infelizmente.

E então… Terra a vista!

Do c***lho ver terra de novo…

Benjamin foi o primeira a avistar terra no meio das nuvems no horizonte (a gente achou que era só nuvem pra ser sincero haha). Depois de uma hora e tal, ficou claro que a gente tinha avistado o País de Gales. Parece bem perto quando se avista, mas leva umas 4 horas pra chegar lá de verdade.

20:00 chegamos na área de ancoragem (só escurecia perto das 10 da noite naquele dia), achamos um lugar entre outros barcos, jogamos a âncora, tomamos um shot de vodka forte que os alemães trouxeram e dissemos algumas palavras pra celebrar, tiramos uma foto, uma janta caprichada, enchemos o bote igual a nossa cara, instalamos o motor pesado no bote, aprendemos a ligar o motor na hora e fomos pra praia beber. Precisavamos fortemente de uma cerveja!

Chegando na praia, quatro caras altamente suspeitos que pareciam ter saído do cast de Trainspotting (assistam), cerveja na mão, vieram dizer oi e perguntaram de onde nós eramos. A gente apontou pra água e disse meio que rindo: “Da Irlanda, cara. A gente acabou de atravessar o mar no nosso barco.” E eles ficaram tipo: “Wow. A gente pode ir no barco?” HAHAHA NÃO!

Daí arrastamos o bote praia acima seguro da maré que estava enchendo ainda e fomos pro bar. Fiquei de olho no bote o tempo inteiro.

Já era quase noite quando chegamos no Tŷ Coch Inn, um bar pequeno em frente a praia (eleito um dos top 10 bares de praia do mundo de acordo com algum blogger aleatório). Eles tinham algumas cervejas Gaulêsas na choppeira que eram bem boas até. Do lado de fora, um DJ tocava numa tenda e andando entre o pessoal dançando o “floss dance” (googleia aí se não conhece), um gaules parou de dançar e disse: “-Excuse me! I am flossing like a motherf***er!” – suas exatas palavras eu juro – e voltou a fazer dança. A gente achou um lugar vazio e parou pra beber. 

Algumas cervejas depois e um monte de conversa com os locais, era hora de voltar pro barco. Só tinha um problema, estava completamente escuro e não dava pra ver mais de 5 metros à frente. A gente tinha uma ideia de onde o barco estava. Mais ou menos. Com sorte, achamos o barco, amarramos o bote e fim de dia. E que dia!

Mas não antes de perceber o céu. Eu nunca vi tanta estrela na minha vida. O céu estava completamente limpo e abri a escotilha e fiquei olhando… Bêbado a essa altura claro…

Dia 2 – Porthdinllaen até Caernarfon

"Good moooorning vietnam!"

Mergulho matinal na água gelada, café da manhã, bote e motor de volta no baú, levantada a âncora e pronto pra zarpar.

Tentamos ligar e passar um radio pra Victoria Dock (Marina em Caernarfon) mas ninguém atendeu, então tentamos a sorte e partimos pra lá na esperança de ter uma vaga pro barco pra passar a noite. Tinha um sistema de represa na marina devido a maré então saímos a tempo antes do meio dia.

3 horas depois estamos na entrada do canal. O chart (carta nautica do aplicativo Navionics) reportava trechos extremamente razos quando na verdade o canal inteiro entre as bóias tinha profundidade segura durante todo o caminho até Victoria Dock. 1 hora canal a dentro e chegamos lá: Caernarfon (kær nar vin – Essa eu sei pronunciar).

Entramos na marina por volta de 3 da tarde e surpreendentemente achamos uma vaga logo de cara. Amarramos os cabos e fomos pro escritório do capitão do porto. “A gente pode abastecer de diesel também?” “Claro, vocês já estão na vaga de abastecimento de qualquer forma. Vou pedir pra vocës colocarem o barco lá no final do lado daqueles outros lá depois.” Estava fácil demais pra ser verdade. Mas então, o barco imediatamente a nossa frente saiu e nós só empurramos o barco pra fora da vaga de abastecimento. Sorte minha porque a outra vaga era tensa.

“Acelera aí. Vamos correr pro castelo antes que feche!”

O dia estava bem bonito e as ruas cheias de gente aproveitando. Fomos ao Castelo de Caernarfon, uma construção que se iniciou no século 12 e era cheia de história incluindo referências ao Rei Arthur. O castelo era bem bonito e tinha muralhas em volta protegendo a cidade do lado de dentro. A entrada de adulto custava £9.50 no dia. E valeu super a pena.

Depois do castelo, andamos pela cidade dentro das muralhas e depois fomos ao Ben Twthill. 10 minutos de caminha da cidade, o morro tinha uma vista incrível de toda a cidade e ainda tivemos tempo de brincar com o drone lá de cima.

Descemos de volta à cidade pra tomar umas no Black Boy Inn, um hotel/restaurante/pub datado do século 15! Não comemos por lá, só tomamos umas cervejas no bar. As atendentes eram super sorridentes e amigáveis. O teto baixo era coberto de notas de dinheiro de países diferentes daí o Julius deixou uma nota aleatória do Nepal que ele tinha na carteira. A atendente chegou a achar que ele queria pagar com aquela nota rs mas logo entendeu que era uma contribuição pra decoração do bar.

De volta a marina, tomamos uma ducha que era terrivelmente quente por sinal, eu parecia um pimentão no espelho. Isso é um problema comum por essas bandas de cá, tem uma torneira pra cada e geralmente ou são muito geladas ou muito quentes.

A essa altura, a parte turística da viagem havia acabado e quando chegamos ao barco já estavamos em clima de despedida. Sentamos uma ultima vez no saloon do barco pra tomar um vinho e jogar uma partida de Settlers of Catan (famoso jogo de tabuleiro pra quem não conhece). Dica: não jogue jogos de conquista de território com alemães. Eu perdi obviamente.

Após o jogo encerramos o dia e deixamos as coisas meio que preparadas pra zarpar cedo no dia seguinte.

Dia 3 – Caernarfon até Dublin

Spoiler: Atravessamos de volta. Vivos.

6:30 da matina era a hora que o capitão do porto informou que abriria o portão do sistema de represa da marina. Enchemos o tanque de água rapidinho e deixamos Victoria Dick junto com mais outros 2 barcos. Um deles estava indo pra Dublin também (Howth), então usamos ele como referencia até que sumiram no horizonte.

A corrente dentro do canal estava um pouco forte e junto ao vento contra, formava umas ondas meio chatas. 1 hora canal acima e chegamos nos mar. Içamos as velas e alcançamos 7 a 8 nós de velocidade pra começar a travessia! (Isso é bem rápido pro meu barco que tem velocidade de cruseiro de 5.5 nós) O vento foi bem favorável a viagem inteira de través e conseguimos velejar durante todo o percurso até Dublin com velocidade acima de 5 nós sem problemas. Tivemos inclusive que rizar a vela (diminuir o tamanho da vela) durante um certo momento.

Algumas horas mar a dentro e vimos um caça britânico fazendo loopings e razante sobre o mar. Depois golfinhos nos seguiram por um tempo (infelizmente não conseguimos filmar) e também avistamos outras coisas aleatórias boaiando tipo armadilhas de lagosta e infelizmente mais lixo.

12 horas de travessia e estavamos de volta em Dun Laoghaire, baixamos as vela, estacionamos o barco, amarramos os cabos, tomamos mais um shot de vodka pra matar a garrafinha, algumas palavras, cheios de orgulho no peito e esse foi o fim dessa nossa grande aventura que certamente iremos lembrar e contar histórias pro resto de nossas vidas.

Brigadasso ao Ben e Julius por essa viagem incrível.

Wales Trip Gallery

Confiram também o Instagram do Ben as fotos dele são ótimas.

Próxima aventura: Velejar sozinho pra Ilha de Man.